quarta-feira, 2 de março de 2011

À BEIRA DO ABISMO

(M.H.Vieira da Siva)




O Despertar

As imagens que o subconsciente projectava no tecto, eram sombras, figuras de contornos difusos, mar revolto e ondas ameaçadoras. Cerrou os olhos, não queria ver.
Esteve assim calmo e a respirar compassadamente, até se deixar cair num estado de semi-torpor, todavia mais perto do sono. E sonhou.
As sombras e figuras que vira, começaram a assumir rostos que, todavia não reconhecia. Viu uma mulher num dos momentos mais felizes da vida. Estava deitada, sorria de felicidade e estendia nos braços uma criança acabada de nascer.
Alguém, que não viu o rosto, recebeu com as mãos trémulas, o recém-nascido, acariciou-o e chorou de alegria.
Aquele momento trouxe-lhe a paz que precisava. E com um sorriso nos lábios, deixou-se adormecer.
Acordou sem sobressalto. A tempestade já partira. Levantou-se, fez correr o estore da janela do quarto e espreitou a rua. O sol mergulhava no oceano, envolto em nuvens coloridas. Tinha perdido a noção do tempo em que estivera a dormir, mas o estômago funcionou como relógio, reclamando o alimento que há bastante tempo lhe tinha sido negado. Tomou um banho de chuveiro rápido, a água estava fria tinha-se esquecido de ligar o esquentador. Ao trocar de roupa, olhou-se no espelho e ainda viu marcas dos maus momentos.
Não pode ser, disse para si ao ver a barba crescida de dois dias. Dois dias, como é que ele, sempre tão cuidadoso com a aparência, deixara que tal acontecesse? Mesmo com fome e sendo quase noite, não vou sair neste estado. Desfez a barba, vestiu uma roupa confortável e foi jantar.
Na rua que percorrera, encontrou o restaurante e entrou. Pareceu-lhe algo familiar mas não tinha a certeza. Já havia pessoas a jantar, um empregado mais idoso chamou dizendo:
- Senhor Engenheiro a sua mesa está reservada, apontando uma mesa perto da vitrina.
O empregado conheceu-me, mas eu nem de lembro de algum vez aqui ter comido, pensou para consigo. Esboçou um sorriso de agradecimento, ocupou a cadeira que lhe indicaram e estudou a ementa. Não sabia o que escolher, olhou para o empregado pedindo ajuda. Foi aconselhado a comer um robalo grelado, robalo do mar, como o senhor Engenheiro tanto aprecia.
Enquanto aguardava a refeição, reconheceu que, para além das imagens duma mulher e duma criança acabada de nascer, a sua memória perdera, nalgum canto, a suas referências. Aquelas imagens, podiam ser, tinham de ser, o começo do caminho que teria de percorrer até se encontrar. Mas teria de começar devagar. Primeiro sabendo quem era, para depois poder entender o que se passou, que quase o levara ao fim.

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