quinta-feira, 3 de março de 2011

À BEIRA DO ABISMO

(Amadeu de Sousa Cardoso)



O mistério

Gostou da refeição, o peixe era mesmo fresco e bem grelhado e o vinho branco seco estava delicioso. Declinou a sobremesa, pedindo o café.
O empregado que, pelos vistos o conhecia, levou o café, uma garrafa de whisky e o copo adequado. Posso servir o whisky, perguntou?
-Não obrigado, deixe que eu mesmo me sirvo, respondeu.
Bebeu, lentamente, enquanto a cabeça não parava. As pessoas conhecem-me, bom princípio.
Sem dar conta e de forma mecânica, levou a mão ao bolso do casaco, tirou a carteira e dela o dinheiro para pagar a conta. Antes de a guardar, olhou espantado ao ver fotografias, cartões de crédito, cartões de apresentação profissional, e mais documentos em que não mexeu. Afinal, tinha no bolso tudo o que o identificava.
Andou um pouco, cruzou-se com pessoas que lhe eram indiferentes, reconheceu o automóvel estacionado perto, pegou nas chaves, abriu a porta do prédio, subiu ao sexto andar e sem hesitar, abriu a porta do apartamento A e entrou.
Suava como se tivesse feito uma longa caminhada e, de certo modo, fizera. Tinha percorrido o caminho da escuridão, até à luz que vislumbrara ao abrir a carteira.
Sentou-se num sofá, olhou em redor e deu-se conta de estar numa sala aparentemente confortável, mas sem sinais de vida.
Apenas reparou numa mala de viajem, aberta sobre uma pequena mesa. Nas paredes apenas quadros tendo o mar como tema principal.
Mesmo para uma mente perturbada, conseguiu entender que estava a viver num aparthotel. Não sabiam era desde quando e porquê.
Abriu a carteira e espalhou o seu conteúdo sobre a mesa. Uma foto de uma mulher sorridente, duas crianças. Será a minha mulher e os meus filhos, adquiriu como tal. E ficou feliz. O BI e a carta de condução identificaram-no como Fernando Manuel Gomes de Castro, nascido em Lisboa a 15 de Abril de 1966, filho de Albano Freitas Castro e de Maria Aldina Gomes, residente na Avenida das Forças Armadas, nº. 36 –4º. Esquerdo, Nova Oeiras.
Nos cartões de apresentação da Empresa, indicava ser Engenheiro Electrotécnico, Chefe Das Operações Internacionais, de uma Empresa de Telecomunicações.No verso do cartão fazia a apresentação em Inglês e em outro em Francês.
Tinha o endereço completo, número de telefones e e-mail.
Telemóvel, lembrou-se de repente que o teria visto na mala de viagem. E estava, mas sem carga, não encontrou o carregador e também não sabia o código. Não lhe ia servir de muito. Amanhã é segunda-feira, isso sabia, e poderia esclarecer tudo ligando ou indo ao escritório da Empresa.
Ao fechar a mala fez uma descoberta que o encheu de júbilo. Descobriu o computador portátil. Finalmente iria esclarecer tudo. Mais uma vez sem resultado,o computador estava desligado e nem sabia a palavra-chave.
Ficou absorto a olhar tudo o que o podia ter ajudado mas nada dera certo. Guardou o computador na mala e da bolsa, retirou com espanto, cartões de embarque aéreo, mas com as viagens realizadas. Teria voado de Lisboa para São Paulo e regressado a Lisboa uma semana depois. A surpresa maior, era que a viagem de retorno teria acontecido há mais de dois meses. Dois meses, como pode ser, eu estou aqui há tanto tempo, porquê?

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