quarta-feira, 16 de março de 2011

POR AMOR

1 – O desconhecido

A camioneta da carreira, embora com significativo atraso, acabava de estacionar no largo da povoação.
Saíram dois miúdos, que vinham da escola que frequentavam noutra freguesia, mais dois casais de velhotes, ajoujados pelas compras que carregavam, e por fim o passageiro desconhecido, a quem o motorista abriu a bagageira, para que ele retirasse os seus pertences.
Num instante o largo ficou vazio. No meio, sem saber bem o que fazer, ficou o passageiro puxando uma grande mala e carregando uma mochila, um saco de viajem e mais o inevitável saco de plástico, dum conhecido supermercado. Na realidade transportava, apenas o que lhe tinha sobrado de uma vida, bruscamente interrompida. Para trás deixara os amigos, poucos, os sonhos perdidos e um olhar de melancolia que não conseguira disfarçar.
O largo, não mais de meia dúzias de casas em redor, estava vazio e estranhamente silencioso. Encolhendo os ombros e arrastando como podia a sua bagagem, o desconhecido seguiu por uma ruela escolhida ao acaso. Não teve sorte, a ruela acabava num descampado. Parou, sentou-se na mala e começou a fumar.
Quando, com prazer, inspirou o fumo, lembrou-se da recomendação do médico:
- Abandone o tabaco, lembre-se que cada maço de cigarros que consumir representa perder anos de vida.
- Mas Doutor valerá a pena roubar-me o único prazer que me resta, argumentou? E o Médico olhou e não deu resposta.
Na quietude daquele ermo, perguntou-se porque estava ali? E, com a dor estampada no rosto, lembrou-se que estava só, sem objectivos, sem trabalho, vivendo das economias que fizera numa vida, agora sem sabor, com a alma ferida e o coração sangrando por um amor traído, que não conseguia esquecer. As noites eram um pesadelo. Procurava no seu conturbado sono, a mulher que partira e escolhera um outro amor, deixando-lhe, apenas, a sensação de vazio e sobretudo o medo de a continuar amando.
Aquele amor em que tudo dera roubara-lhe a auto-estima, a confiança e a alegria. Tudo o resto esquecera.
Tinha abandonado o trabalho para alimentar a sua desenfreada paixão. Agora era hora de pagar. Vendera o apartamento para ajudar as suas pobres economias, alugou um pequeno espaço para guardar alguns móveis de família e outras recordações, fez a mala para partir.
Para esquecer aquele amor tão sofrido, precisava de distância, de encontrar um lugar sereno e calmo. Queria encontrar-se de novo, sentir de novo os sentimentos que perdera, acreditar que, longe do objecto da sua paixão, era possível viver e recuperar tudo o que aquele amor lhe levara.
Partiria à procura dum raio de sol.

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