terça-feira, 23 de abril de 2019

VIDA EM CONTRAMÃO


2 – MARJORIE

Nascera de um casamento improvável. O Pai, professor, austero e conservador nos costumes e na política e a Mãe estudante de filosofia e que militou no movimento estudantil que abanou a França nos anos sessenta.

Marjorie cresceu num ambiente familiar frio. E foi isso que moldou a sua forma de estar perante a vida e as pessoas que se cruzaram no seu caminho.

Andou perdida na Universidade. Experimentou cursos técnicos que detestou e depois de mais algumas tentativas acabou por escolher e com entusiasmo a carreira de jornalista.

Quem diria, comentavam os amigos. Uma rapariga bonita, interessante, criada no meio da alta burguesia de Paris escolher como caminho, acompanhar o mundo em constante evolução, conflitos, revoluções, afinal, perigos que uma mulher jovem não estaria preparada para enfrentar.

Marjorie deixou-se influenciar por jornalistas mais experientes que lhe contavam episódios, alguns que até haviam custado a vida ou a sanidade mental dos que os viveram. Ficava extasiada a ouvir contar reportagens sobre a guerra no Vietnam e, mais próximo a tragédia na guerra da independência da Argélia e do terramoto político que a descolonização haveria de causar no seu País.

Nos meios que também frequentava, encontros entre emigrantes Portugueses que haviam deixado o País, fugindo da guerra colonial. Aprendeu que muitos dos jovens que conhecera, cantores de intervenção, refugiados políticos, sonhavam com um País de sol e mar, livre das grilhetas da ditadura.

E foi no Abril de 1974 que à jovem repórter Marjorie foi distribuída a tarefa de relatar aos leitores do jornal, a liberdade que surgia no horizonte dum Povo triste.

E a sua vida nunca mais foi a mesma.

A revolução dos cravos que os Portugueses viviam com entusiasmo e esperança contagiou-a e decidiu ficar por Portugal.

Fez amigos, participou no despertar dum Povo oprimido. Ouviu e leu os Poetas, ouviu e aplaudiu os cantores, acompanhou os soldados.

Conheceu um jovem oficial que regressara da guerra. Chama-se António e era na altura finalista do curso de Direito da Universidade de Lisboa. Conheceu-o e começou um grande amor.

Entregaram-se à paixão que os unira e não quiserem discutir, sequer, o futuro. António ingressou na Polícia Judiciária e o mundo em que mergulhou, tempo de desespero, tempo de ódios e de crime, afastou-os. Marjorie sentiu-se uma peça quebrada da engrenagem em que o companheiro se deixara envolver. Partiu com uma ferida no coração e o futuro no ventre. Numa carta que deixou, contou a mágoa de um amor traído. Mas no afinal, também reconhecia que o amor murchara como os cravos da revolução de Abril e pedia para que ele a esquecesse. Ela seguiria o seu caminho e cuidaria do filho que levava no ventre.

A carta terminava: “ NON, JE NE REGRETTE RIEN”.

 

 

 

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