segunda-feira, 23 de abril de 2012

O ÚLTIMO VAMPIRO EM NOVA IORQUE

UMA VEZ, NA AMERICA

Ruben acordou do sonho parado à porta da loja que vendia telemóveis. Olhava como se hesitasse em entrar. Precisava do telemóvel para falar com Marina, a menina do Consulado Americano desafiando-a para a aventura. Mas havia qualquer coisa que lhe aconselhava prudência, talvez a entrega da fotografia tivesse sido mais do que uma brincadeira, antes uma provocação.
Precisava de clarificar as dúvidas que, num repente o assaltaram. Tinha aprendido na vida que ninguém é só o que aparenta e a imagem do amigo americano não lhe saía da cabeça. Um homem inquieto, demasiado inquieto reconhecia.
E a jovem que o atendera no Consulado estaria na verdade aguardando um visto para os EUA ou seria alguém que fazia o trabalho de informadora?
Voltou para o hotel e utilizando o telemóvel que acabara por comprar, ligou para o número que Marina escrevera na fotografia.
O número estava desligado e mandava para a caixa de mensagens. Identificou-se e disse apenas que esperaria uma chamada.
Era já noite quando Marina telefonou, tinha acabado de chegar a casa, o quarto que dividia com uma amiga do trabalho. Convidou-o para lhe fazer uma visita:
- Espero por ti, esta noite estarei só, a Cármen viajou para ver a família. Temos todo o tempo para falar sobre o teu projecto.
A voz de Marina suou tão ciciada e melodiosa que mais parecia um chamamento para um encontro amoroso. E Ruben estava particularmente vulnerável aos encantos de uma mulher bonita.
Voltou a sair, era noite fechada, não se atreveu a percorrer o caminho para a casa da amiga. Na porta do hotel tomou um táxi. O condutor era um homem com certa idade e isso deu-lhe confiança.
Marina abriu a porta logo que Ruben tocou a campainha. Ao ver os olhos brilhantes e o sorriso da jovem amiga, Ruben quase esqueceu as dúvidas. Por uma palavra sussurrada, confidências, um café, um sorriso prometedor e uma pose ousada, Marina acabou por perguntar como é que ele, acabado de chegar, podia ter um plano estruturado para entrar na América.
- Tens alguém que te ajuda e como, queres dizer?
Ruben sentiu por entre beijos leves e carícias o cheiro do perigo. Foi evitando responder. Mas Marina voltou a perguntar com uma voz um pouco menos doce:
- Nós mal nos conhecemos, eu não irei embarcar numa aventura perigosa sem ter a certeza do caminho em que me vou meter. Mas quero mesmo ir e para isso vais ter de me contar com detalhe o teu programa.
Ruben teve tempo para pensar. E inventou:
- Eu vi aqui parar por um golpe do destino. O meu contacto no Consulado, já morreu há muitos anos.
Mas eu tenho um programa alternativo e é nesse que vou apostar. Dentro de quinze dias receberei a visita de um amigo vindo de Miami.
É um amigo importante, pertence ao corpo diplomático dum País amigo e dá-me todas as garantias de que conseguirei comprar dois passaportes com vistos. Apenas teremos de aguardar duas semanas e depois tomaremos o avião para Miami.
 Marina pediu algum tempo para pensar e Ruben aceitou aguardar uma semana por uma resposta e pela entrega de fotografias reais e não as da miss Costa Rica que ela lhe havia dado.
Por entre carícias em crescendo, enquanto se despia de forma provocante e com movimentos carregados de sensualidade, Marina acabou perguntando a Ruben o nome e a morada do contacto que lhes iria arranjar o visto.
Ruben pressentira o perigo e defendera-se. Fora esperto, enganara Marina, numa altura em que estivera quase a cair na armadilha. Mas perante a insistência inventou o nome de Francisco Nunez Gonzales e que o encontro teria lugar no Victoria Hotel  com as condições já fixadas:
            -Eu vou pagar pelo meu visto mil dólares, o teu deverá ser o mesmo valor mas, até poderá haver um novo valor, tentaremos reduzir. Pensa na tua vida e se quiseres partilhar eu aceito a tua companhia. Não me telefones, dentro de uma semana eu passarei pelo Consulado para saber a resposta.
Marina ouviu com atenção, lembrou-se de que afinal teria um compromisso a que não poderia faltar.
- É pena, podia ser a nossa primeira noite, mas vamos ter tempo para isso, concluiu Ruben ao deixar o apartamento.
Já na rua escondeu-se numa esquina vigiando o movimento da amiga. Ainda demorou algum tempo, um carro parou à porta Marina desceu, entrou e partiu.
Ruben apreendera a lição. Que lhe iria servir para o futuro. Destruiu o telemóvel, foi deitando pedaço a pedaço nos caixotes de lixo que encontrou no caminho, que fez a pé para regressar ao hotel.
Mal dormiu, pela manhã cumpriu o acordado com o Comandante Vasquez e cinco dias depois estava a bordo do navio de cruzeiros Princess, com um passaporte novo, emitido pelas Autoridades da Costa Rica com o nome de José Pinar e, o mais importante, com um visto para entrar na América e com seis meses de permanência, eventualmente renováveis.
O cruzeiro era de quinze dias. O seu dia de trabalho era intenso. O navio seguia cheio de gente que procurava momentos para recordar. Os dias eram passados atrás do balcão de um dos seis bares de que o navio dispunha. Estava na primeira classe, as pessoas eram mais experientes e sabiam usufruir de tudo o que o cruzeiro lhes proporcionava. Jogavam, dançavam, perdiam dinheiro, traíam o companheiro ou a companheira e eram muito generosos nas gratificações. 
O navio aproximava-se da costa. Era a última noite, ao longe já se avistavam as luzes da cidade. Ruben, nessa noite deitou à água os seus receios, esqueceu a semana que passara no Panamá, quase sem sair do hotel, olhou para o seu percurso e realizou que, talvez tivesse percorrido a parte mais fácil.
            E perto de chegar, lembrou Robert, o misterioso aventureiro que o ajudara antes de regressar para enfrentar os medos e os mistérios duma civilização perdida, e que dissera, de memória, um lindo poema de Ruben Darío. Foi buscar o livro, a herança do Pai, e procurou um outro que lhe desse esperança e força. E leu em voz alta, sentida, pausada como o amigo lhe ensinara, se deve dizer a poesia.
Rubén Darío

A Juan Ramón Jiménez

¿Tienes, joven amigo, ceñida la coraza
para empezar, valiente, la divina pelea?
¿Has visto si resiste el metal de tu idea
la furia del mandoble y el peso de la maza?

¿Te sientes con la sangre de la celeste raza
que vida con los números pitagóricos crea?
¿Y, como el fuerte Herakles al león de Nemea,
a los sangrientos tigres del mal darías caza?

¿Te enternece el azul de una noche tranquila?
¿Escuchas pensativo el sonar de la esquila
cuando el Angelus dice el alma de la tarde?...

¿Tu corazón las voces ocultas interpreta?
Sigue, entonces, tu rumbo de amor. Eres poeta.
La belleza te cubra de luz y Dios te guarde.

O jovem Ruben que aprendera a amar a poesia, ganhara a experiência de um mês de caminho, de algumas desilusões que sofrera mas que o fizeram crescer. Agora que se transformara em José Pinar, estava pronto para a caminhada final. E ao longe, as luzes de Miami eram como o farol que precisava.  "Que Deus me guarde", murmurou antes de adormecer.

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