EM LISBOA
Perdera-se nos corredores do Aeroporto, escala no seu
regresso a casa. Regresso a casa, que ironia, casa ele nunca tivera. Na
realidade ter casa ignificava ter um espaço onde sentisse o carinho de uma
família com amor abençoado com risos de criança. Nada disso tivera. Apesar do
dinheiro, dos frequentes encontros amorosos, das promessas de amor que duravam
apenas alguns meses, nunca sentira estar em casa, na sua casa. E não poderia
ser de outra forma porque sempre esquecera os compromissos. Outros valores
tinham sido sempre prioritários e o principal fora a sua ascensão no mercado
financeiro.
Encontrou a sala vip, serviu-se de mais uma bebida, olhou
para o relógio. Nem queria acreditar, depois de mais de doze horas de viajem
tinha agora pela frente uma espera de oito horas. Perguntava-se como havia
programado um itinerário tão apertado e que o estava a consumir mas a resposta
ele receava. Fora um pressentimento de que o mundo das finanças estaria à beira
de um colapso, tantos erros que a ganância e o desregulamento do mercado
bancário haviam propiciado.
No vasto salão, cheio de passageiros em espera, conseguiu
encontrar um espaço para descansar e delinear uma estratégia de modo a prevenir
uma temida derrocada dos mercados, que adivinhava próxima, muito dolorosa e
difícil de controlar. Não arriscou esperar mais tempo. Ligou o laptop, começou
a percorrer os ativos que o seu fundo geria e foi transmitindo ordens de venda,
sem agressividade mas dando prioridade à venda de contratos derivados baseados
em fundos imobiliários. Tinha seis corretores a trabalhar na sua Empresa mas a
gestão do risco ficara sempre a seu cargo. Os corredores receberam instruções
para vender os produtos em carteira que indicou, mas não a qualquer preço pois
o mercado estaria atento e a bolha especulativa poderia rebentar.
Esteve mais de duas horas a acompanhar a abertura da
bolsa em Wall Street, apercebeu-se de alguma oscilação nas cotações dos títulos
mais expostos, mas nada que não fosse previsível. O seu Fundo estava a vender
sem grandes efeito nas cotações, sinal que o trabalho estava a ser feito como
ele ordenara. Esteve atento até ao encerramento da bolsa em Nova Iorque.
Descansou e olhando para o placard reparou que o próximo
voo tinha como destino Lisboa. Aqui tão perto, porque não aproveitar e
relembrar a Lisboa a cidade que tanta influência tivera na sua vida?
Já não visitava o País há mais de dez anos, fora umas
viajem dolorosa e que procurara esquecer. Viera para o funeral do Pai mas
encontrou a Mãe que o recebeu como um desconhecido. Nem um sorriso, um beijo ou
abraço sequer. Apenas um aperto de mão cerimonioso com que recebia todos os
amigos.
Ficou dois dias em Lisboa, instalado num hotel, já que a
Mãe lhe deu a entender que ele, o filho ingrato, não tinha lugar no apartamento
de Lisboa.
Ferido com a indiferença, que aliás já esperava, foi
surpreendido com um contacto de um escritório de advocacia, sugerindo uma
reunião para tomar conhecimento dos termos do testamento do Pai e decidir sobre
a sua parte. Não respondeu e antes de regressar a Nova Iorque, procurou a Mãe
apenas para lhe dizer que ele, Ricardo, prescindia dos seus direitos e assinou
em termo de renúncia á sua parte da herança. Deixou o documento das mãos da
Tia, a Mãe mandara dizer que estava indisposta e cumprida esta formalidade
embarcou de regresso à América.
A tia continuava a ser a sua única ligação à família.
Escreviam-se e foi por ela que soube que a Mãe havia constituído uma sociedade
para exploração do negócio, de cuja direção se afastara, reservando apenas uma
quota-parte de 10%.
Ricardo tomou a decisão de relembrar a velha cidade. Era
um pequeno desvio mas sentia a nostalgia que tinha perdido quando se aventurou
em outros destinos, onde não havia espaço para a saudade e para a nostalgia.
Tivera sucesso e as memórias perdidas fizeram parte do preço que pagara.
E de repente lembrou aquele dia triste dum manhã de
Dezembro em que percorreu o Aeroporto de Lisboa aguardando a hora de embarcar
para o seu destino. Estava só, nem um amigo lhe fizera companhia. Lembrou o
medo que sentira, era uma aventura o que o esperava, mais medo porque sentia que
só com ele poderia contar. Na mão o bilhete e o passaporte com o visto e a certidão
de que fora admitido a uma pós graduação na Universidade de Columbia. Eram o
seu tesouro, a porta que se abria para um futuro que idealizara mas que agora,
da solidão do Aeroporto também temia.
Talvez se tivesse precipitado. A recusa da Mãe até a
compreendia mas o aperto que sentia no peito tinha um nome, Mariana.
E como naquela manhã
chuvosa e fria do mês de Dezembro, também hoje, tanto tempo decorrido, deixou
que uma lágrima se soltasse.
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