O DESTINO
Ricardo desembarcara em Lisboa cheio de esperança.
Acreditava que o conhecimento seria uma partilha entre os livros, tantos eram,
e as opiniões e o saber dos professores. E teve uma primeira desilusão.
O curso era fundamentalmente ou quase exclusivamente alicerçado
em muitas horas de estudo, lendo e relendo os livros que já haviam ensinado
gerações.
E para sua grande
surpresa aprendeu que o curso era uma tremenda competição. Sinal dos tempos,
recordava agora Ricardo, a camaradagem era um luxo que nem todos praticavam, pois
quase todos olhavam para o curso como a porta de entrada de um Banco, uma
seguradora, talvez uma grande Empresa e viam em cada colega um possível
concorrente.
Ricardo lembrava os trabalhadores estudantes, aqueles mais
fechados e isolados do mundo. O curso era para eles era um degrau no caminho
profissional que havia escolhido. Sem paixão, raramente tinham dúvidas, a
palavra do professor e as teorias económicas aprendidas nos livros eram
sagradas. Nunca se atreveriam a por em causa os ensinamentos mesmo aqueles sem
grande ligação à realidade.
Havia os outros, meia dúzia de colegas que frequentavam o
curso ou por engano ou por imposição da família. Foi com eles que Ricardo
conseguiu estabelecer alguns laços de amizade. Afinal também ele frequentava o
curso escolhido pela Mãe mas, na realidade ambicionava ir mais longe. A
Economia não o atraía, mas por influência de um professor desalinhado, começou
a olhar para o mundo do dinheiro. A parte financeira, com os sucessos
reconhecidos e alguns erros nascidos pela imprudência, ganância e impreparação,
eram o seu fascínio. Seria nesse meio que Ricardo almejava alcançar a glória, a
riqueza o poder.
Entretanto e enquanto o curso ia decorrendo sem
dificuldades, Ricardo ouvia com interesse os sonhos dos colegas com quem
partilhava os momentos vividos fora da Faculdade. E lembrava-se do Alberto, o
filósofo, do Luís Manuel apaixonado pela arquitetura, do Bernardo que vivia
obcecado pela música e o José Maria cuja obsessão era um olhar, uma aventura,
um sonho de amor com colegas que procurava em outras Faculdades.
Ele, porém era tímido e não conseguia entender os sorrisos,
os olhares, os gestos das raparigas com que o grupo costumava conviver.
E foi o José Maria que o convidou para uma saída noturna
para dançarem e beberem um copo. Ele tinha conhecido uma rapariga por quem se
apaixonara mas ela, insistia que só aceitaria se uma amiga lhe fizesse
companhia. Ricardo foi assim o pau-de-cabeleira a que o amigo recorreu.
E Ricardo perdeu-se de amores. Ele já tinha tido alguns
namoros mais ou menos sérios mas conheceu Mariana e a todos esqueceu.
Mariana dos olhos negros, num rosto belo enfeitiçara Ricardo.
Era finalista do curso de direito. Confessara que aquele era o caminho que
sempre ambicionara e para o qual se havia sacrificado, trabalhando em parte
time, num escritório de Advocacia. Os Pais deram-lhe a ajuda possível, eram
camponeses do Alentejo profundo, sem meios de fortuna mas sempre dispostos a
compartilhar o pouco que lhe restava. Mariana era filha única e o orgulho duma
família unida.
As circunstâncias obrigaram Mariana a trabalhar e a estudar.
Pouco tempo tinha para namorar. Aquela saída com a Odete, namorada do José
Maria e a companhia de Ricardo fora uma partida que o destino lhe pregou. Ricardo
fora o seu primeiro romance e Mariana acreditou no amor. E o amor cresceu e a
paixão entre os dois jovens foi o caminho natural. Sem preconceitos,
entregaram-se em longas noites de amor.
E num desses momentos, com a respiração ainda ofegante,
Mariana segredou ao ouvido do seu companheiro que estaria grávida. Teriam assim
o fruto do seu amor.
Ricardo estremeceu fitando os olhos de Mariana perguntou:
E agora o que vamos
fazer? Posso pedir à minha Mãe ajuda para um aborto. Concordas?
Mariana escondeu o rosto e ficou em silêncio sofrendo a
desilusão que as palavras de Ricardo lhe haviam causado. Nunca imaginara tal
frieza e ganhando forças respondeu:
- Ricardo esquece o que eu e disse. Foi apenas um atraso do
meu ciclo e amanhã farei um teste que certamente dará negativo. Mas hoje estou
cansada e peço-te para te ires embora. Tenho que terminar um trabalho.
Ricardo respirou fundo, de alívio e completou a rotura:
- Nem imaginas o susto que me pregaste. Eu gosto muito de
ti, és a mulher da minha vida, mas ter um filho seria o fim dos meus sonhos. Eu
nunca te disse, mas vou para Nova Iorque fazer uma pós graduação, assim
convença a minha Mãe a dar-me o dinheiro. Não te esqueças de mim, eu vou voltar
para ti, acredita.
Mariana não respondeu. Ricardo viu aberta a porta da rua,
saiu e regressou ao quarto que a Mãe lhe havia alugado. Fez a mala e regressou
a casa.
Foi uma viajem que o marcou para sempre. Contou à Mãe o seu
desejo de estudar em Nova Iorque e a Mãe recusou, dizendo-lhe:
- Ricardo, fui clara quando te dei a oportunidade de ires
estudar para Lisboa. Nunca te escondi que precisava que os teus conhecimentos
me ajudassem a desenvolver os negócios da firma, que um dia será tua. Confesso estar
cansada e nada mais fazer para ajudar o teu Pai, que continua a viver na lua, a
terminar o seu sofrimento interior. Por isso volta, tira umas férias e depois
de diplomado começas a trabalhar. Esta é a minha única proposta e nem aceito
outra alternativa.
Ricardo ouviu a recusa sem pestanejar. De certa maneira já a
temia. E ficou numa encruzilhada na vida. Hesitava em voltar aos braços de
Mariana e seguir o caminho que a Mãe lhe tinha traçado ou esquecer tudo e
arranjar dinheiro para custear os estudos em Nova Iorque.
Mas o destino escolheu por ele. Regressou em Lisboa,
procurou Mariana e não a encontrou. No escritório onde ela trabalhava apenas
lhe disseram que ela teria partido e não sabiam vivia ou não quiseram dar-lhe o
endereço. Tentou a Faculdade mas sem sucesso. Reconheceu que das longas noites
de amor, da paixão vivida nos seus limites apenas lhe restava um nome, Mariana.
Ficou aturdido sem saber o que fazer. Sabia que tinha
dinheiro no Banco, doado pela Tia. Talvez fosse o suficiente para os Eua e, sem
sequer pensar duas vezes apagou o nome da mulher que prometera amar para sempre.
Estava no início da década de noventa. Portugal vivia uma ilusão
do ideal Europeu mas Ricardo bebia todos os ensinamentos que vinham da Améria
das “Junks Bonds” e a saga do Michael Milken, seu fundador, e do aluno e cliente Ivan Boesky,
e imaginava-se a viver rodeado de oportunidades de enriquecer manuseando a arma
mais poderosa, o dinheiro. Qual economia, o que vai contar é o poder do
dinheiro, murmurava no seu subconsciente.
Finalmente conseguira adormecer. Acordou com o anúncio que o
avião iria aterrar em Londres, escala do destino Nova Iorque.
Estava exausto. Nada comera durante as longas horas de voo,
revivera emoções e desenganos mas no seu percurso pela vida faltavam ainda
quase vinte anos e muitas feridas por sarar.
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