1 – A janela mágica
Foi um gesto sem explicação que ao
entrar na sala grande, o levara a escolher outro lugar. Deixara o cadeirão do
costume, onde se habituara a ler o jornal, olhar a televisão e esquecer os
sonhos. Era o seu lugar de conforto, protegido por livros que queria reler e
DVD de séries de culto que revia uma e outra vez.
Mas foi naquele dia de um princípio
de verão algo tímido, onde o sol teimava em se esconder nas nuvens que passavam
no horizonte, um dia sombrio e triste, que trocara de lugar e, sem saber
porquê, se sentara num sofá virado para a janela.
Estava cansado, desanimado e vencido.
Fechou os olhos, e sentiu que a aquela sala mudara. Ou fora ele que pela
primeira vez a olhara com outros olhos? Algo o havia conduzido àquele sofá onde
se sentou pela primeira vez depois de tantos anos.
De repente reabriu os olhos e ficou
com eles fixados na janela. Afinal, apenas conseguia ver a copa de algumas
árvores que baloiçavam ao sabor do vento, as nuvens que se dirigiam, apressadas
para sul. Pouca coisa afinal, mas voltou a olhar mais longe, e esbarrou com os
blocos de apartamentos do outro lado da avenida, belos exemplares da
arquitetura nacional, idealizada por construtores civis e aprovada pelos
técnicos Camarários a troco dos envelopes do costume, e que conseguiram
destruir uma parte da cidade e dar corpo às cidades dormitórios da periferia,
onde tudo ficara igualmente feio.
Fixou-se com mais atenção dos
estendais de roupa que adornavam os apartamentos. Sim nas janelas e varandas
não vira flores, apenas roupa estendida secando ao sol. Era um espetáculo pouco
atraente que não justificava, sequer, um olhar. Todavia, naquele dia, por entre
as nuvens fixou-se num estendal quase vazio. Nele só viu uma peça de roupa
feminina, um vestido vermelho, assim lhe parecia, e que esvoaçava ao vento
desafiando na outra extremidade umas calças de homem que lutavam para se
libertarem e irem ao encontro do desafio mas, de tal modo estavam presas que se
não conseguiam soltar.
De olhos fechados imaginou aquele
bailado feito de promessas e de desejo que o vento dirigia. Era como se visse
num espelho mágico um momento de paixão. Uma mulher atraente que com o seu
vestido vermelho, prometia amor e logo fugia para desespero do homem que se não
conseguia libertar.
Fora um momento belo que o abrir dos
olhos depressa destruiria. Afinal fora apenas um breve sonho que se
desvanecera.
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