VINTE E OITO DEPOIS
Em Lisboa, no cais de embarque, uma multidão de
pessoas acenava com lenços molhados de lágrimas. Eram esposas, mães e filhos
que se despediam dos seus familiares que partiam para a guerra.
Os jovens partiam para a guerra, lá para os confins
do continente Africano. Angola esperava por eles, os bravos soldados que haviam
deixado as suas terras, donde muitos deles nunca haviam saído, e iam agora
enfrentar todos os perigos duma guerra travada num lugar distante, porque essa
era a vontade do ditador Salazar.
O paquete tinha sido transformado de modo a que
havia beliches em qualquer sítio, incluindo os porões. Eram perto de quatro mil
combatentes, três batalhões de infantaria, mais companhias de artilharia,
enfim, era um mar de gente, que iriam, assim lhes disseram, defender a Pátria.
Sete dias de viajem, passando o Equador, refazendo o caminho que os grandes
navegadores haviam traçado, muitos séculos atrás.
Sim o mar sempre foi o nosso destino, o nosso fado,
pensava o jovem oficial miliciano, encostado na amurada do paquete Vera Cruz.
Nascera perto da fronteira, ouvira contar e
recontar histórias da guerra civil de Espanha. Esses relatos tantas vezes
repetidos, haviam criado nele um sentimento de revolta mas também lhe
despertaram o romantismo, que o acompanhava desde a adolescência.
E começando a ligar as histórias ouvidas à lareira,
com os livros que lia, desde a poesia de Miguel Hernandez, Federico Garcia
Lorca, de Pablo Neruda aos romances de Hemingway, Malraux, Orwell e outros mais
reconhecera que as imagens daquela guerra o iriam acompanhar sempre.
E agora, anos depois, ali estava ele a caminho duma
guerra.
Pensando bem talvez a guerra que iria combater não
fosse tão trágica. Ou uma guerra pode, em alguma vez, não deixar marcas,
interrogava-se?
Ouvira a história dos dois Portugueses que haviam
percorrido o caminho na procura de salvar duas crianças vítimas inocentes
daquela luta. Vira fotografias de crianças morrendo à fome e outras órfãs de
guerra que foram levadas para bem longe e não mais voltaram. Agora, naquele
momento de introspeção, não se lembrava no final da aventura dos dois irmãos.
Teriam recuperado as crianças?
Que pena, como ele gostaria de pedir: “ Pai,
conta-me outra vez”.
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