LISBOA
Ricardo tinha dezassete anos quando cheio de sonhos
desembarcou em Lisboa. E a cidade tivera o sortilégio de lhe dar uma sensação
de liberdade, que até aquela data nunca havia sentido.
Na verdade nascera numa pequena vila do Minho, frequentara
um colégio particular que o Pai havia escolhido. Tinha feito sete anos de
idade, numa data que nunca mais iria esquecer. Fora o tempo da revolução em
marcha, dos exageros de uma sociedade oprimida, das greves, das transformações
sociais. Tudo fora posto em causa e o medo invadiu as famílias tradicionais que
sempre haviam beneficiado da protecção de um estado que entretanto se começara
a desmoronar. Filho único de uma família tradicional da alta burguesia, o Pai
decidira resguardar o jovem, escondendo as transformações que ameaçavam os privilégios
duma sociedade na qual Ricardo teria de viver. A opção do colégio particular, que
na verdade era um internato, o Pai optara por o desviar da cidade entregando-o
aos cuidados duma irmã viúva que vivia numa quinta perdida nos confins do
Minho.
E Ricardo aprendeu olhando as serras, imaginando o mundo
para além das fronteiras. Era um prisioneiro da intolerância política e
religiosa daqueles tempos conturbados.
O Pai recusou enfrentar os desafios, partilhar sequer o
futuro da Empresa e ela foi-se afundando e faliu. E com a falência da fábrica
que fora da família durante gerações, também o Pai se desmoronou.
E foi a Mãe que decidiu tomar o poder. O dinheiro não
abundava mas Maria Teresa Guimarães era uma mulher que inspirava confiança aos
credores, Bancos, aos operários e em três anos conseguiu reerguer a velha
fábrica. Mas viu mais além, a fábrica precisava de se refundar em termos
tecnológicos, produzir tecidos de qualidade.
Recorreu ao design, criou um produto novo que levou a
certames internacionais. Foram anos de muito trabalho, muitos desafios, algumas
desilusões, mas o caminho era aquele, havia que apostar nele e aprender de cada
erro. E começou a ter sucesso.
A nova marca impusera-se pela qualidade. Não era um produto
vulgar e Maria Teresa não transigia com os preços, assim como cumpria prazos de
entrega. O esforço financeiro começava a ter retorno. O mercado aceitara os
novos produtos. A inovação e o bom gosto eram imagens de marca.
Fora um período difícil mas Maria Teresa que havia passado
da burguesia rica e ociosa, para uma empresária, esquecendo o passado e
caminhando decidida para o futuro, não esqueceu o filho prisioneiro no colégio
interno. E aos treze anos Ricardo saiu do colégio interno, edifício cercado por
altos muros onde a solidão fora a sua constante companheira e regressou a casa.
A Mãe recebeu-o com estímulo e com exigência. Ricardo
passaria a ser um jovem estudante duma escola pública, onde deveria também a
recuperar os anos em que vivera fechado do mundo.
Não lhe foi fácil.
Ricardo era tímido, introvertido mas ganhara uma força interior que pouco a
pouco lhe deu se impôs até nos contactos com os companheiros de escola. Afinal
o padreco, como fora recebido, enfrentava os colegas e uma boa luta não o
atemorizava. Depressa deixou de ser o menino rico e mimado para ser visto pelos
colegas e colegas como um entre eles. E Ricardo depressa se fez líder.
Era um bom aluno, com
especial atração pelas matemáticas e isso iria ser o seu desafio que a Mãe
incentivava, porque ambicionava ver a seu lado o filho, preparado e disponível
para novos desafios. Ao jantar Ricardo pouco falava, mas ouvia atentamente as
lições que a Mãe lhe dava. E não mais as esqueceu. Dizia ela, palavas que Ricardo
ainda guardava, tantos anos depois ( O mundo é dos ousados e para se triunfar
na vida é preciso muito saber, sorte também, mas parar é morrer um pouco. O teu
Pai não seguiu esse caminho e como vês, morre lentamente.)
E foi ela que escolheu o curso mais adequado e a
Universidade que o podia preparar. A universidade seria em Lisboa.
Pela primeira vez em dezassete anos de vida, Ricardo teve a oportunidade
de sair da sua terra, longe dos amigos e dos prazeres que uma pequena cidade
lhe poderia oferecer. Em Lisboa não tinha amigos nem conhecidos, a Mãe
compreendeu que esse facto lhe iria abrir uma janela para o mundo e exigiria
dele independência, responsabilidade e gosto pelos desafios. E para isso
fixou-lhe uma verba para os seus gastos, alojamento, despesas correntes,
pagamento das propinas. Mas exigira desde logo uma contrapartida. Ricardo seria
livre mas o seu aproveitamento escolar teria que ter sempre alinhado com os
mais capazes.
E foi assim que com pouca mais de dezassete anos, Ricardo
viajou para Lisboa, onde nunca havia estado, fez novas amizades, abriu os olhos
para o mundo imenso que o esperava e que ele começara desde logo a sonhar
conquistar.
Fora educado num ambiente austero, com muito respeito mas
sem carinho. E na cidade nova a primeira conquista foi o primeiro amor, que lhe
deu tudo o que nunca tivera. Amor, paixão, companhia. Mas o mal já estava
instalado no coração do jovem Ricardo. Era a ambição e a inquietude e o
primeiro amor acabou por se perder no emaranhado em que a sua vida se veio a
transformar.
Fora ontem (?) mais
de vinte anos atrás que Ricardo iniciou o seu caminho, perseguindo um sonho que
no final o transformara num homem rico, frio, egoísta e cansado. E sobretudo
só. Tudo quisera, tudo conseguira mas perdera os melhores anos da sua vida.
O avião atravessara naquele momento uma área de turbulência.
Ricardo abriu s olhos e sentiu que o suor lhe escorria pelo rosto. Seria pelas
recordações?
Foi refrescar-se, olhou no espelho e para além dos cabelos
brancos que começavam a aparecer, viu o que nunca houvera visto. Um rosto de
uma mulher triste, com uns lindos olhos negros. A miragem desvaneceu-se mas
Ricardo reconheceu uma imagem que muitas vezes visitava em sonhos. Era o rosto
suave e terno do seu primeiro e único amor. Mariana era o castigo que o
perseguia quando, como naquela viajem, recordava a sua juventude.
PS:
Este
texto foi pensado num dia e escrito muitos dias depois. Um tropeção na vida fez
com que algumas ideias não tivessem tido o seguimento previsto no guião
original. Mas que importa isso? Escrevo, volto a escrever a inventar e sinto-me
feliz.
Ah, agora me lembro, como sempre não houve guião o que é uma
liberdade que não quero perder.
Se alguém esperou pela continuação da história a que chamei
o PREÇO DO SUCESSO, aqui vai ela. Sem olhar atrás, sempre em frente que o tempo
começa a escassear! Obrigado.
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