1 – A VIAJEM
Entrou no avião, foi acompanhado por uma sorridente
hospedeira que lhe indicou o seu lugar. Iria viajar em primeira classe desde Singapura
ate’ Nova Iorque. Um voo direto que lhe iria custar muito a suportar. Tantas
horas, sobrevoando três continentes era uma loucura para quem estava cansado,
de tantas viagens, tantas reuniões, tanta noite mal dormida. Mas tinha pressa
de chegar e confiava que o conforto do avião o iria ajudar a recuperar o sono e
chegar ao destino a tempo de orientar algumas decisões que havia maturado na
sua deslocação pelos mercados da ásia.
Ricardo era um especulador da bolsa. Tinha travado a
tempo alguns investimentos na bolsa de Xangai, convertera ativos de risco em
obrigações de dívida soberana emitidas pela cidade estado de Singapura. Tinha
um pequeno escritório onde dois jovens financeiros, formados nas melhores
Universidades dos EUA, geriam o Fundo de Investimento que acabara de
consolidar.
Fora por pouco que não sofrera perdas relevantes com a
agitação nos mercados asiáticos, mas risco e a sua gestão tinham sido sempre, o
seu destino.
O risco fora um vírus que se entranhou, que lhe permitiu
construir um pequeno império financeiro. Valera a pena?
O Airbus começou a galgar pista e suavemente ergueu-se no
ar. Ricardo espreitou pela janela e ainda conseguiu ver a silhueta dos
arranha-céus que eram como a marca do poder e da riqueza daquela pequena
península.
Recostou-se na confortável cadeira, o espaço era todo
seu, cerrou os olhos. Tencionava dormir, precisava mesmo de o fazer, mas também
sabia que o cansaço não era bom companheiro para um sono reparador.
A hospedeira com uma voz suave perguntava-lhe se aceitaria
uma bebida, enquanto escolheria a refeição que um bem apresentado menu lhe
oferecia. Ricardo abriu os olhos, a voz suave era de uma mulher linda e
sorridente, uma fotografia de revista de companhias de aviação de primeira
classe. Na lapela do casaco indicava o nome oriental que não conseguiu ler.
Fascinado com os olhos de amêndoa que fitou e não se
desviaram, aceitou uma taça de champagne.
Bebeu em dois ou três goles, pousou a taça e tentou
cerrar os homens. Havia ainda muita claridade pelo que procurou o interruptor e
desligou. Sim, na penumbra apenas via as figuras das hospedeiras que iam
servindo um refeição ligeira que ele havia recusado.
Depois foi o silêncio apenas quebrado por um sussurro de
duas mulheres que anichadas nos seus lugares, iam trocando entre si. Um
gargalhada reprimida um cochicho murmurado por uma das companheiras de viajem
que ocupava o lugar do corredor. Ricardo olhou disposto a recriminar o ruído
mas encontrou uns olhos que sorriam sem malícia. E apenas sorriu, voltando a
cerrar os olhos à procura de sono que lhe escapava.
Sentiu-se bem, mas na sua memória surgiram sombras que
pouco a pouco se revelaram pessoas que o olhavam com reprovação. Eram o rosto
da Mãe e do Pai, que ele havia ferido e esquecido.
Embalado pelo silêncio daquele avião, mergulhado numa
viajem de tantas horas, sentiu o peso da solidão.
Vivera muitas relações de amor, encontros efémeros quase
sempre, mas o primeiro amor que nunca se esquece, a companheira da juventude,
partira deixando-lhe uma mágoa que o seu egoísmo não quisera evitar. E teria
sido tão simples escolher outro caminho.
Ah, como estava cansado. Não aceitara a tranquilidade de
uma vida normal, optara por fazer um caminho duro e pedregoso. Tropeçara
algumas vezes, enfrentara momentos difíceis e no final o que lhe restava?
Dinheiro, muito dinheiro e pouco mais. Fora traído e
vingara-se, amara e perdera, conhecera o mundo sujo dos negócios, do dinheiro
fácil, privara com mercadores da morte, conhecera a face oculta de uma
sociedade doente. Escolhera um caminho que sempre soubera não ter saída nem
fim. Entrara numa estrada sem horizontes, sem abrigo.
Lamentava as amizades perdidas ao longo do tempo,
esquecidas na voragem duma vida feita de segredos que nunca ousara partilhar.
Fora capturado pelo fascínio do dinheiro e viveu tudo o
que o seu poder financeiro lhe permitira desfrutar. Amizades, amizades apenas
por interesse; amores? O amor ficara sempre à porta dos quartos onde partilhara
o corpo mas nunca perdera o coração.
As recordações eram feridas que latejavam, o seu passado
feito de ambição aparecia-lhe, agora, para cobrar a conta. Teria valido a pena?
Tinha pouco mais
de quarenta anos, era rico, mas lembrava com dor e saudade o início da sua
juventude inquieta. Fora ontem, há tanto tempo atrás…
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