A DOR
Escrever, ainda que sem grandes
cuidados, pode ser um exercício perigoso.
Comecei, tentando ganhar tempo a
que uma situação de grande fragilidade física pudesse ser a antecama para a
viajem que todos teremos que fazer.
Ganhar tempo porque, lera há
muitos anos atrás, e não tinha esquecido, que na vida um homem deveria preencher
três desígnios: fazer um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. E na
verdade ainda me faltava cumprir o último.
Escrever e editar um livro que
pudesse ser lido com prazer pelo público, quer fosse um romance, talvez uma
peça de teatro ou um livro de poesia. Mas não tinha capacidade para um projecto
de tal importância. Fiquei-me por apenas um livro com histórias desligadas, mas
que, de alguma forma, representassem o meu eu.
Escrevi muito, nem sempre bem, mas escrevi e
juntando os pedaços mandei editar o livro. Foi um gesto de desespero e respirei
de alívio ao ver em letra impressa os textos que escrevera.
Mas reler o livro trouxe-me de
novo à realidade. Era apenas um amontado de histórias, nada semelhante ao que
gostaria de ter escrito mas não fui capaz.
Para meu descanso ou como um pedido de perdão,
deixo-vos um poema de Bocage, poeta lírico, cuja obra ficou entre as mais
importantes da literatura Portuguesa.
. . . . . . .
Nascemos para Amar
Nascemos para amar; a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.
Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.
Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.
Amor ou desfalece, ou pára, ou corre:
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.
Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.
Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.
Amor ou desfalece, ou pára, ou corre:
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.
BOCAGE
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