sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

SONHANDO


VOAR NO TEMPO

 

A próxima quarta-feira vai ser mais um dia de consulta no hospital, lembrava sem inquietação, ou assim queria transparecer. Na verdade seria uma viajem igual a tantas que já fizera mas com o aproximar da noite o estado de espírito ia mudando.

E a noite era, normalmente mal dormida. O sono era agitado e partilhado entre dúvidas e certezas, entre coragem e medo.

Nesta noite fria sentiu um desafio, uma voz que lhe martelava o cérebro segredando-lhe:

-Vem, vem voar no tempo.

E para afastar os pesadelos começou a procurar o tempo que quereria recordar. E na sua memória o momento, longínquo, em que escolhera foi o de voar no tempo até à primeira vez em que estivera num hospital. Começou a desembrulhar recordações que a família lhe fizera conhecer.  E sentiu com saudade o carinho das palavras e das carícias, cheias de ternura.

Era o bebé da família, fazia companhia à Mãe, que estava internada, dela bebia o leite da vida.

Tinha meses de vida, nem sempre muito saudável mas, internado no hospital da Misericórdia da sua terra natal, aprendeu o valor das palavras carinhosas.

 E no sonho era tão vivo, que até acabou por lembrar a enfermeira que fora como um anjo para si e para a Mãe doente. Chamava-se Eduarda, mas para a criança ela passou a ser a DADA, e o nome ficou para sempre na memória das pessoas que ela ajudou.

A Mãe recuperou a saúde, regressou a casa onde o Pai, que trabalhava de dia ou de noite, os aguardava acompanhado pela irmã primeira, bonita aos oito anos de idade, como bonita seria sempre.

E depois da tempestade, veio a bonança trazida numa irmã que foi fechar o ciclo da vida, naquela família pobre em termos materiais mas rica em afetos. E ele passara a ser, “o irmão do meio”.

 E o sonho acabou, a ida ao hospital deixara de ser uma preocupação.

Levantou-se feliz, recordara alguns dos ausentes mais queridos e grato pela ventura de continuar a ser “o irmão do meio”.

 

 

 

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