segunda-feira, 12 de agosto de 2019

ANGÚSTIA


                               ANGÚSTIA

A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.


 

                                           SOLIDÃO

                                                                             

            Era o entardecer de um dia de fim de Verão e o sol que se escondia por entre as nuvens dispersas, perdia luz e calor. António Pedro acabara de entrar no gabinete, recentemente alugado, num edifício de escritórios nas Amoreiras. Ficou fascinado com a paisagem que se lhe oferecia, sentindo um agradável torpor que se acalmava os sentidos. Como era belo o entardecer e o lento cair da noite.

            Foi buscar uma cadeira e um cinzeiro, sentou-se em frente da janela que abriu, para beber o ar da noite pura e serena enquanto saboreava um cigarro, enviando o fumo em círculos que se diluíam no ar. Entrara agitado no seu gabinete. Tinha sido um dia a correr de um lado para o outro, juntando os papéis que queria levar, os livros que sempre o acompanhavam e escolhendo o computador mais adequado ao seu trabalho. Agora estava tranquilo. Olhava para o seu novo espaço, era uma nova vida que estava começando, cheio de esperança e ao mesmo tempo com a angústia de perceber que a sua vida se modificara e num período muito curto. Primeiro o seu trabalho e depois o seu casamento. Mas a vida é assim, nada é eterno tudo é passageiro, concluiu enquanto apagava o cigarro. Perdeu-se na noite calma e serena onde nada acontecia. Mas com ele ficaram as recordações. Abriu o computador, olhou de relance para o correio eletrónico, mas nada havia de interessante. Não admira, pensou ele, apenas falei a um reduzido grupo de amigos, comunicando o meu novo caminho.

            “Até ele mesmo se surpreendeu, quando com 54 anos de idade decidira abandonar o cargo de Inspetor da Polícia Judiciária. Tinha sido uma decisão repentina, motivada por algum cansaço e pelas mazelas que uma longa e difícil investigação, que lhe ocupara mais de dois anos de trabalho e dedicação exclusiva, perseguindo o autor de alguns crimes hediondos. Conseguira mas nunca mais fora o mesmo. O seu perfil psicológico ficara afetado porque em vez do raciocínio frio e analítico passara a deixar-se levar pelo ódio e pela revolta. Ficara cansado e escolhera outro caminho. Esta alteração de personalidade afetara, também, a relação conjugal. A mulher, Filomena, tinha sido sempre o suporte e o amparo nos momentos difíceis, mas um pequeno incidente havia minado a confiança. Encontrara por acaso, no bolso do casaco que António pendurara no cabide do quarto, uma carta redigida em termos apaixonados. Quando lhe mostrara a carta e lhe pedira explicações, ele incomodado, respondeu ter sido uma paixão não correspondida, duma antiga colega de Universidade, um relacionalmente que terminara antes do casamento. Filomena, nada dissera, mas mostrara-lhe a data, um mês atrás.

            “ Nunca pensei que me andasses a trair, disse ela, e esta carta não terá sido a única. Imagino o seu conteúdo, de certeza que a tua amante é a colega que te acompanhou nas últimas investigações que foste fazer ao Porto. Investigações, digo eu, talvez eu tenha sido a única pessoa que acreditou. Os teus colegas e amigos certamente sabiam mas, como sempre, funcionou a regra de segredo que vocês, os homens, gostam de cultivar. Parva que eu fui!”

António Pedro despertou quando o relógio de parede anunciou a meia-noite. Estava tão perdido nos seus pensamentos e nem se apercebera como o tempo passara. Sacudiu as memórias, sentiu pela primeira vez o frio da noite e a angústia de regressar a uma casa vazia.

 

 

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