ANGÚSTIA
A vida é a arte
do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.
SOLIDÃO
Era o entardecer de
um dia de fim de Verão e o sol que se escondia por entre as nuvens dispersas,
perdia luz e calor. António Pedro acabara de entrar no gabinete, recentemente
alugado, num edifício de escritórios nas Amoreiras. Ficou fascinado com a
paisagem que se lhe oferecia, sentindo um agradável torpor que se acalmava os
sentidos. Como era belo o entardecer e o lento cair da noite.
Foi
buscar uma cadeira e um cinzeiro, sentou-se em frente da janela que abriu, para
beber o ar da noite pura e serena enquanto saboreava um cigarro, enviando o
fumo em círculos que se diluíam no ar. Entrara agitado no seu gabinete. Tinha
sido um dia a correr de um lado para o outro, juntando os papéis que queria
levar, os livros que sempre o acompanhavam e escolhendo o computador mais
adequado ao seu trabalho. Agora estava tranquilo. Olhava para o seu novo
espaço, era uma nova vida que estava começando, cheio de esperança e ao mesmo
tempo com a angústia de perceber que a sua vida se modificara e num período
muito curto. Primeiro o seu trabalho e depois o seu casamento. Mas a vida é
assim, nada é eterno tudo é passageiro, concluiu enquanto apagava o cigarro.
Perdeu-se na noite calma e serena onde nada acontecia. Mas com ele ficaram as
recordações. Abriu o computador, olhou de relance para o correio eletrónico,
mas nada havia de interessante. Não admira, pensou ele, apenas falei a um reduzido
grupo de amigos, comunicando o meu novo caminho.
“Até ele
mesmo se surpreendeu, quando com 54 anos de idade decidira abandonar o cargo de
Inspetor da Polícia Judiciária. Tinha sido uma decisão repentina, motivada por
algum cansaço e pelas mazelas que uma longa e difícil investigação, que lhe
ocupara mais de dois anos de trabalho e dedicação exclusiva, perseguindo o
autor de alguns crimes hediondos. Conseguira mas nunca mais fora o mesmo. O seu
perfil psicológico ficara afetado porque em vez do raciocínio frio e analítico
passara a deixar-se levar pelo ódio e pela revolta. Ficara cansado e escolhera
outro caminho. Esta alteração de personalidade afetara, também, a relação
conjugal. A mulher, Filomena, tinha sido sempre o suporte e o amparo nos
momentos difíceis, mas um pequeno incidente havia minado a confiança. Encontrara
por acaso, no bolso do casaco que António pendurara no cabide do quarto, uma
carta redigida em termos apaixonados. Quando lhe mostrara a carta e lhe pedira
explicações, ele incomodado, respondeu ter sido uma paixão não correspondida,
duma antiga colega de Universidade, um relacionalmente que terminara antes do
casamento. Filomena, nada dissera, mas mostrara-lhe a data, um mês atrás.
“ Nunca
pensei que me andasses a trair, disse ela, e esta carta não terá sido a única.
Imagino o seu conteúdo, de certeza que a tua amante é a colega que te
acompanhou nas últimas investigações que foste fazer ao Porto. Investigações,
digo eu, talvez eu tenha sido a única pessoa que acreditou. Os teus colegas e
amigos certamente sabiam mas, como sempre, funcionou a regra de segredo que vocês,
os homens, gostam de cultivar. Parva que eu fui!”
António Pedro despertou quando o relógio de parede
anunciou a meia-noite. Estava tão perdido nos seus pensamentos e nem se
apercebera como o tempo passara. Sacudiu as memórias, sentiu pela primeira vez
o frio da noite e a angústia de regressar a uma casa vazia.
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