UMA MULHER
Um dia, o telefone interno tocou e do outro lado a
rececionista perguntou:
“- Tenho aqui à entrada uma senhora que lhe pretende
falar. Não tem hora marcada e não existe registo de chamada prévia. O Senhor
Doutor pode recebê-la?”
Hesitou, algum caso de divórcio quase de certeza, o que
não lhe agradaria mesmo nada. Mas era a primeira pessoa que o procurava e esse
facto despertou-lhe o interesse alimentando a secreta esperança de encontrar um
caso interessante. Respondeu sim.
- “Pode subir ao 5º. Andar letra C, o Doutor António
Pedro, espera-a minha senhora, informou a rececionista.”
António Pedro retomou o seu hábito, ajeitou o nó da
gravata, vestiu o casaco, mirou-se ao espelho e gostou de se ver, e abriu a
porta de acesso ao gabinete. A mulher que entrou era atraente, alta, cabelo
negro, como os olhos, elegantemente vestida, não passaria despercebida em
qualquer lugar. Andaria na casa dos trinta e cinco anos calculou enquanto a
ajudou a tirar o casaco, que colocou dobrado nas costas de uma cadeira.
Acompanhou a senhora até à poltrona de braços, colocada em frente da secretária
e convidou-a a sentar.
-
“Então, em que lhe posso ser útil, perguntou?”
- Doutor
desculpe ter vindo sem marcação, mas o seu nome foi-me sugerido pelo Inspetor
Marques da PJ, como sendo a pessoa certa para me ajudar. O meu nome é Maria
Clara Figueiredo de Meneses, estou muito preocupada com o desaparecimento da
minha filha de 12 anos. E por isso aqui estou, para contratar os seus serviços,
quero encontrar a minha filha. António Pedro sentiu alguma frustração.
Depositara esperanças num processo apelativo, e afinal era, apenas, um caso de
desaparecimento de uma menor. Com aquela idade o costume era de fuga com o
namorado ou o receio de comunicar algo que a embaraçasse, fosse sobre o
aproveitamento escolar ou algum problema típico duma adolescente. Por momentos
pensou recusar. Mas qualquer coisa no olhar da mulher sentada na sua frente
fê-lo estremecer e tomou a decisão de continuar. Aqueles olhos negros,
profundos, desvendaram-lhe a alma. Ele sentiu que o iriam fazer esquecer o
passado recente.
Com um ar distante, António Pedro foi dizendo que a PJ,
tinha um excelente departamento especializado para tratar estes casos, tem tido
muito sucesso e, além do mais, tem também os meios necessários e a experiência
para investigar esse tipo de situações. Eu pelo contrário não sou experiente
nessa área da investigação. Maria Clara argumentou que a PJ tinha sido o seu
primeiro caminho. Dera todas as informações que lhe pediram e o processo fora
aberto. Mas, dizia recear que, apesar da reconhecida competência do
Departamento, o caso da filha fosse mais um. Por outro lado, vim ter consigo
recomendada por um amigo e antigo colega, porque o senhor tem uma grande
vantagem, tem tempo e uma reconhecida sensibilidade e eu ficaria mais tranquila
se o desaparecimento da minha filha for investigado de perto, quase me atrevo a
dizer em regime de exclusividade. E estou disposta a pagar por isso. Peço não
me desiluda, eu acredito que o senhor vai conseguir trazer de volta a minha
filha.
Ficaram
um momento em silêncio. O apelo de Maria Clara tinha sido feito de forma
veemente e nervosa, mas António Pedro não vislumbrara no olhar angústia e dor.
Era estranho, pensava, não lhe parecera que a visitante, fosse assim tão capaz
de esconder sentimentos tão naturais. Prolongou o silêncio, olhando fixamente o
rosto da senhora, como se quisesse captar qualquer sinal que o levasse a
recusar. Foi com um frémito que desconfiou, que o caso não era apenas o
desaparecimento da jovem, e isso fê-lo mudar de ideias. Sentira algum desconforto,
como se alguém o estivesse a empurrar para um lado negro. Alguém que sabia que
só assim ele aceitaria o desafio. Fora certamente o amigo, mas não entendia o
porquê.
Levantou-se da secretária, andou alguns passos de um lado
para o outro, parou em frente da cliente, olhou-a nos olhos e disse:
“- Minha senhora, estou disposto a aceitar o seu caso mas
terá de confiar, absolutamente, em mim. Isso significa, dar-me todas as
informações que eu lhe pedir, mesmo se elas lhe parecerem deslocadas ou até
demasiado íntimas. Vou precisar de a conhecer, saber o seu agregado familiar,
conhecer o que pensa o Pai da criança, como é a rotina do vosso dia-a-dia, onde
passam férias, com quem costumam conviver, amigos, etc. Aceitarei investigar o
caso que me traz, mas quero que fique bem claro, não vou ser simpático e se a
conclusão, se a ela chegar, for uma imensa dor, mesmo assim eu não deixarei de
a assinalar. Se estiver de acordo, preencha agora ou entregue-me depois, o
questionário que aqui tem, e estendeu-lhe uma folha A 4, e junte uma série de
fotos da sua filha, sozinha ou em grupo, que tenham sido tiradas nos dois
últimos anos. Quanto ao pagamento dos meus serviços falaremos mais tarde. Não
antevejo custos extraordinários.
Maria Clara, aceitou as regras sem levantar qualquer
obstáculo, dizendo apenas que não gostaria de ver a fotografia da filha, nos
ecrãs da Televisão ou nas primeiras páginas dos jornais. Compreenda o meu
desejo de privacidade.
Pareceu-lhe razoável e tranquilizou-a.
Concentre-se no fundamental, tente encontrar qualquer
coisa a que não tenha prestado atenção e que poderia ter originado a que a sua
filha perdesse a confiança e fugisse. Às vezes há um pequeno sinal e isso pode
ser a diferença entre o sucesso ou o insucesso. Mas pense bem, não me esconda
nada. Aqui tem o meu cartão com os números de telefone e o endereço de correio
eletrónico. Esteja à vontade para me contactar se algo lhe ocorrer. Amanhã,
pelas 14 horas gostaria de a receber, e comentar os dados do questionário que
lhe entreguei. Esperarei por si. Entretanto deixe-me por favor um cartão com o
nome e endereço.
Acompanhou a cliente à porta, despediu-se com um aperto
de mão que lhe pareceu algo estranho. Os olhos de Maria Clara estavam
brilhantes e ele sentiu um fluxo de sangue que lhe percorreu as veias. Foi o
início do caminho que, no fim o deixou ferido.
Sem comentários:
Enviar um comentário