2004
A primeira lembrança que me ocorre é a publicação do romance de José Saramago, ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ.
A LUCIDEZ, algo que se perde ou se ganha. No meu caso pessoal ganhei. Decidi que era o tempo adequado para terminar o meu percurso profissional.
Foi um acto de lucidez, sair pelo próprio pé, sem empurrão explícito. Era tempo de mudança. Não foi uma decisão fácil, desde sempre aquela fora a Empresa que conhecera, onde dei o melhor de mim mesmo, aprendi, ensinei e enfrentei desafios. Ganhei e perdi amigos.
Atravessei o tempo das convulsões laborais pós revolução do 25 de Abril. Foram momentos difíceis em que foi preciso fazer escolhas. Escolher é sempre algo difícil, por vezes doloroso mas a vida, para ser vivida implica fazer opções.
LUCIDEZ foi o que faltou a muita gente conhecida.
Desde logo o Presidente George W. Bush que havia decidido a invasão do Iraque, mesmo que se tivesse apoiado em documentos fabricados. E se a invasão foi um passeio, os meses, os anos consequentes, iriam ser o espelho de mais uma geração perdida.
Desde logo e como desde o início se adivinhava, a invasão do Iraque para a destituição do ditador Saddam Hussein foi uma oportunidade de negócio. O cheiro do petróleo foi o catalisador.
Como era fácil de entender, a operação militar nada teve a ver com o perigo que representava para o mundo o enorme arsenal de armas de destruição maciça que lá estariam armazenadas. A maior e única foi um ditador acossado, esquecido e descartável. O lugar foi um buraco em forma de túmulo em que o mesmo se escondera. O perigo deixara de existir. Ficou apenas o espectáculo da prisão, do julgamento e da execução. E a plateia aplaudiu.
Mas negócios são negócios e não se devem desprezar. Foi o que com a LUCIDEZ dos investidores que o Vice Presidente Cheney organizou e suportou empresas de segurança para determinadas tarefas no Iraque em ruínas. E a guerra passou a ser um contrato, entre a politica e a sociedade civil, representada por empresas de mercenários.
Afinal Dick Cheney nem inventou nada, já no tempo da Roma imperial os Césares conduziam as suas conquistas utilizando mercenários que pagavam com o saque.
A América, o país da liberdade, tomou então conhecimento de que em nome da civilização os seus soldados foram capazes de cometer actos de uma barbárie inaudita, utilizando nas prisões métodos que fizeram recordar os campos de concentração nazis.
Em Novembro, na mais sangrenta batalha da guerra até então, teve lugar a operação, descrita pelo exército norte-americano como "os combates urbanos mais duros desde o Vietname", as tropas norte-americanas usaram fósforo branco, como arma incendiária contra combatentes e civis que defendiam casa a casa o seu bairro.
A anarquia e a injustiça alargaram o campo de recrutamento aos fundamentalistas da al- Qaeda.
Assim em Março, no dia 11, um grupo identificado como da al-Qaeda atacou em Madrid um comboio que, em hora de ponta, transportava civis para o trabalho.
Fora a resposta dos terroristas ao apoio do governo espanhol à guerra no Iraque. Aznar tinha eleições à porta. Por isso escondeu a verdade, manipulou as investigações para que não fosse detectada a relação causa efeito do atentado que semeara centenas de mortes e milhares de feridos. Mas a mentira foi infrutífera e Aznar foi o primeiro a pagar a sua participação na cimeira ensaiada nos Açores. O seu partido foi esmagado nas eleições.
Entretanto este País encheu-se de estádios de futebol e as janelas foram decoradas pela bandeira nacional. Era o Euro 2004 e o sonho era possível. Mas, por ironia do destino perdemos a final e logo contra a selecção da Grécia. Teria sido premonição?
Voltamos à LUCIDEZ.
Essa não faltou ao inefável e sorridente Durão Barroso. Deixou-nos a chorar de saudade e partiu para cumprir a sua missão. Presidir à Comissão Europeia. O cargo poderia não ter mais do que um cabeçalho de jornal, mas era bem pago e sempre melhor que aturar estes Portugueses sempre zangados e desagradavelmente pobres.
A responsabilidade da condução dos negócios do Estado foi então atribuída ao Dr. Pedro Santana Lopes. Durou pouco tempo o seu consulado. Todavia há que dizer, em vez de uma figura de frade penitente, tivemos como primeiro ministro um homem simpático e com rosto humano, com todos as virtudes e defeitos.
Quase a findar o ano, a natureza reservou uma surpresa que provocou destruição e dor. Um terramoto no Oceano Índico seguido por um tsunami que devastou países do sudeste asiático. Foram mais centenas de milhares de vidas que se perderam.
O ano de iria findar com esta manifestação apocalíptica.
Reservo para a conclusão deste post a minha homenagem a pessoas que partiram e me deixaram saudades. A voz de Ray Charles e o som mágico da guitarra portuguesa, tocada com a sensibilidade e a ternura do Carlos Paredes.
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