quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A MÁQUINA PAROU


Fui sempre, desde que me conheci, um ouvinte atento, embora muito cioso da minha independência. E foi assim que permaneci incólume aos acontecimentos mediáticos, aqueles que os jornais ou as televisões nos tentam vender, não os jornalistas que deixaram de exercer a sua imprescindível missão de informar e que se deixaram dominar pela máquina. Nem sei porque escrevo estas palavras mas desconfio que mesmo sem querer, acabei por me deixar infetar pelo vírus do espetáculo de alguns acontecimentos que, não sendo recentes ou sequer inabituais, ocuparam a primeira linha do dia-a-dia dos portugueses sempre ávidos de encontrar responsáveis pelo desencanto das suas vidas sem sentido.

Nem sempre foi assim esta mistura de revolta e mágoa que pode representar um cocktail á beira da explosão.

E ninguém pode ignorar que o mundo está louco, se perderam caminhos e que os valores da civilização que, supostamente, se julgavam adquiridos, foram espezinhados.

Por muito que custe, regredimos séculos e estamos de novo nos tempos da barbárie.

Isto mesmo dizia um homem solitário, sentado na mesa do lado, no café onde também eu tenho por hábito matar o tempo que me resta. E não posso esconder que, as palavras daquele homem, que eu não conhecia, calaram bem fundo na minha memória.

“ Fui professor, tenho quase noventa anos de idade, vivo só e todos os dias espero que a máquina que me trás ligado à vida, pare e assim possa, quem sabe, descansar. Eu que ensinei o respeito e a tolerância entre as ideias, que contei aos jovens alunos os massacres a que assisti durante a Guerra de Espanha, e o horror dos campos de extermínio da Alemanha nazi, que lhes fui garantindo que a nova ordem mundial iria por fim a tanta barbaridade e desigualdade entre os homens, entre as nações, que lhes garanti que o saber e a cultura eram peças essenciais na vida, tenho que reconhecer que o meu trabalho, a minha entrega, as minhas lições, não serviram para nada."

E o homem curvado à sua culpa, passou por mim e eu, sem surpresa, vi as lágrimas que lhe fugiam.

Apenas alguns anos mais novo, senti que também era responsável, por omissão, pelo desvario que corre nos tempos difíceis que vivemos. Pensei segui-lo e dizer-lhe que, talvez entre as muitas lições da sua vida, algumas tenham servido como exemplo. Mas no momento hesitei, fiquei calado.

Pensando bem, é verdade, todos somos culpados.

Não voltei a encontrar o velho professor. Quem sabe, a máquina parou.

 

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