Fui sempre, desde que me conheci, um ouvinte atento, embora muito cioso da minha independência. E foi assim que permaneci incólume aos acontecimentos mediáticos, aqueles que os jornais ou as televisões nos tentam vender, não os jornalistas que deixaram de exercer a sua imprescindível missão de informar e que se deixaram dominar pela máquina. Nem sei porque escrevo estas palavras mas desconfio que mesmo sem querer, acabei por me deixar infetar pelo vírus do espetáculo de alguns acontecimentos que, não sendo recentes ou sequer inabituais, ocuparam a primeira linha do dia-a-dia dos portugueses sempre ávidos de encontrar responsáveis pelo desencanto das suas vidas sem sentido.
Nem sempre foi assim esta mistura de revolta e mágoa que pode representar um cocktail á beira da explosão.
E ninguém pode ignorar que o mundo está louco, se perderam caminhos e que os valores da civilização que, supostamente, se julgavam adquiridos, foram espezinhados.
Por muito que custe, regredimos séculos e estamos de novo nos tempos da barbárie.
Quem duvidar, pode, com facilidade, confirmar os sinais que todos os dias nos são mostrados quer na TV, nos jornais e até nas conversas de café.
Foi na mesa do café que ouvi, de alguém que muito respeito uma frase, pronunciada num tom de raiva não contida e num gesto de desespero olhava para nós mostrando uma página do jornal que estivera a ler.
Dizia:
“ Sou um professor reformado, tenho quase oitenta anos de idade, vivo só e todos os dias espero que a máquina que me trás ligado à vida, pare e assim possa, quem sabe, descansar. Eu que ensinei o respeito e a tolerância entre as ideias, que contei aos jovens alunos, os massacres a que assisti durante a Guerra de Espanha, e o horror dos campos de extermínio da Alemanha nazi, que lhes fui garantindo que a nova ordem mundial iria pôr fim a tanta barbaridade e desigualdade entre os homens, entre as nações, tenho agora que reconhecer que o meu trabalho e a minha entrega não serviram para nada, porque o poder financeiro que ninguém controla, a ganância que germinou e se multiplicou, destruiu a sociedade em que vivemos.
Vejam:
O capitalista, dono de um nome respeitado que se transformou num ladrão foi meu colega desde os tempos do Liceu, ou o rapaz que nesta notícia de jornal é apontado como sendo parte de uma organização envolvida na tragédia que em nome fundamentalismo islâmico tem cometido crimes horripilantes, foi um dos meus melhores alunos. Estamos na beira do Apocalipse.”
E eu vi as lágrimas que o homem curvado à sua culpa, não escondeu.
Eu, apenas alguns anos mais novo, senti que também era responsável, por omissão, pelo desvario que corre nos tempos difíceis que vivemos. Pensei segui-lo e dizer-lhe que, talvez entre as muitas lições da sua vida, talvez algumas tenham sido exemplos. Mas no momento hesitei e fiquei calado.
Pensando bem, é verdade, todos somos culpados.
E eu, no meu corpo, senti o calor do fogo que alastra e ameaça destruir o mundo de ilusão em que vivemos
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