PAUSA
Luís
sentiu que estava a mais. Nunca mais se atreveria a sonhar.
No
fundo, ele sabia que uma vez terminados os trabalhos da sua nova casa, a sua
vida e a sua relação com Joana teriam um novo sentido. Mas deveria voltar para
a casa que fora um sonho e um pesadelo e que, depois de uma desilusão seria o
final que, nunca quisera reconhecer como provável. Joana sabia que a sua saúde
era frágil, ele não lhe daria mais do que alguns meses de companhia e depois o
triste fim que se adivinhava. Olhou para o espelho e não gostou da sua imagem.
Brilho só nos olhos.
Não queria reconhecer, mas romper com os
hábitos a que se acostumara, deixar de sentir dia após dia um perfume de mulher,
deixar de se mirar nos olhos de Joana seria o regresso a um passado de solidão
que o apavorava.
Todavia
vivera momentos que valiam uma vida. Amara e sentira a paixão, ele que apenas
procurava um lugar afastado para terminar os seus dias. Como tinha sido feliz,
como se entregara, como vivera cada carícia, cada olhar.
Devia
a Joana os meses em que partilhara as feridas e os silêncios. Aprendera com ela
a viver os sons do campo, a inspirar o perfume das flores. Durante aquele tempo
Luís sentira-se livre como um pássaro que encontrou a companheira com que vai partilhando
momentos, olhares, silêncios e o gosto pela poesia. Já se habituara a passear
pelos caminhos do campo, ouvindo o canto das aves e acabando sentado na sombra
da árvore, onde Joana o iria encontrar pela tarde. Sentia-se feliz, Joana era
um lenitivo para as suas dores e o despertar do desejo que já julgara perdido.
Agora
sabia que mais tarde ou mais tarde voltaria e enfrentar o drama da solidão.
Talvez esse momento lhe desse a inspiração para escrever o livro pensado e
perdido, algures na voragem dos dias. Joana merecia lembrar-se do vagabundo que
fizera tão feliz e que conseguira transpor para as páginas todas as emoções que
ela, o fizera sentir.
Já
tinha combinado com o Manuel que gostaria de ver os trabalhos e assim fez numa
manhã luminosa de Julho. Gostou e nem nos seus melhores momentos se atreveria a
imaginar a transformação da casa na colina.
Voltara
para casa de Joana e ao entrar leu a carta que Joana lhe deixara:
“Luís
- Vivemos momentos em que o desejo,
tanto tempo reprimido, venceu a razão. Mas acredita que me entreguei com toda a
paixão que fui deixando crescer desde que te conheci. Mas não me leves a mal o
que eu disser, porque na verdade eu ainda não enfrentei os meus fantasmas.
Fazer amor contigo, foi como um grito, que precisava soltar, mas continuar esta
relação pode ser doloroso para ambos. E eu já sofri mais do que merecia.
O dia de ontem, não o esquecerei mais.
Nem as palavras que disseste me saem do pensamento. O nosso encontro pode ter
sido uma partida da vida. Juntar duas pessoas em ruína física e mental é cruel.
Mas também pode ter sido uma esperança.
Preciso de me encontrar, enfrentar os
meus fantasmas, e por isso decidi partir sem destino e sem prazo.
Não penses que eu fugi de ti, pensa
antes que uma pausa poderá ser bálsamo para as minhas feridas.
Acredita como eu, talvez algum Deus me
arraste de novo para os teus braços, pois eu sei que sempre te irei amar.
Adeus, não te esqueças de mim. Vai
visitar a casa na colina, talvez numa sombra, num raio de sol, num recanto
escondido, venhas a encontrar a alma daquela casa. E se sentires esse
sentimento, vê bem, talvez a alma seja a minha.
Joana”
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