O REGRESSO À CASA NA COLINA
Luís leu e releu a carta de amor que Joana lhe
havia deixado.
Não fora uma surpresa, nos momentos mais lúcidos,
ainda tinha alguns, já antevira que um dia Joana partiria evitando partilhar o
caminho curto e pedregoso que ele se poderia oferecer.
Sentiu que o destino o empurrava de novo para a
casa da colina. Era o lugar que escolhera para esconder as suas dores, as suas
angústias e quase se esquecera no turbilhão de sentimentos em que se deixara
cair.
Pois bem, iria continuar o sonho e, quem sabe,
talvez viesse a encontrar a paz.
Vivera quase sempre só. O seu casamento fora um
erro e durara pouco tempo. Depois o seu tempo passara-o entre o trabalho,
solitário e sem futuro e um ou outro encontro ocasional, escolhido nos anúncios
de encontros amorosos e o prazer de fumar, cigarro após cigarro enquanto
sentado num banco de jardim, assistia ao movimento apressado de pessoas que não
conhecia.
Agora era tempo de completar o único objetivo de
vida que lhe restara. Escrever o livro.
Decidido, acertou os pormenores com o Manuel, embalou
as suas coisas e voltou a subir a colina. Enquanto caminhava sentia renascer a
esperança. Afinal, fora lá que encontrara Joana, foi na colina que se deixara
enfeitiçar. Fora a primeira vez e acreditava que seria lá que se encontrariam
de novo ou se perderiam para sempre.
Cheio de energia começou a penosa subida. Foi
descansando ao longo do caminho e já o sol estava no seu zénite quando chegou
ao destino. Descansou um pouco e entrou em casa, ainda com alguma desconfiança.
Mas encontrou uma grande diferença. Não precisaria
mais de dormir ao relento pois a casa estava limpa, pintada e até tinha meia
dúzia de peças de mobiliário.
O quarto era amplo com vistas para os montes onde o
sol se punha. Sentado numa cadeira de braços, olhava para o vazio e sentiu a dor
da ausência.
Não conseguiu dormir. Levantou-se para ver o nascer
do sol e ficou admirando a cor das searas, prenúncio de que a época da ceifa se
aproximava. E com ela, talvez Joana regressasse.
Espreitava a chegada das máquinas aos campos de
trigo, acompanhava os trabalhos desde o nascer ao pôr-do-sol. O trabalho era
feito por homens que manobravam as debulhadoras e mulheres que ceifavam os
locais onde o acesso era mais difícil. O capataz era o Manuel mas da Joana nem
sinal.
O livro continuava uma página em branco. Escrevera,
apagara, voltara a escrever mas nada fazia sentido. A cabeça não estava ali.
Para esquecer começou a arrumar as coisas que
trouxera, mais algumas que mandara comprara. A casa tinha no quarto com vista
para o poente, um sólido armário de carvalho que não fora uma escolha sua. Foi
com surpresa que abriu as portas e encontrou caixas de cartão arrudas no alto
das prateleiras. Retirou uma delas que abriu e encontrou folhas manuscritas,
numeradas e com o título. “O DIÁRIO DA NOSSA PAIXÃO”.
Ali estava uma história de amor. Com frenesi
escolheu uma nova caixa e encontrou envelopes que guardavam fotografias.
Estavam organizadas por datas e por acontecimentos.
Fora o começo da história de amor de que Joana lhe havia falado. Mas era duas
pessoas que se olhavam com carinho sendo que a mulher estava numa cama do
hospital.
Encontrou mais vezes fotografias do casal, por
anos, tantos que o fizeram estremecer. É que Leonor estava deitada como na
primeira fotografia numa cama de hospital mas instalada na casa na colina.
Sempre viu o olhar terno duma mulher prisioneira do
destino.
Quase no final encontrou um álbum de fotografias. Ali
pode ver fotografias da Leonor e de António o seu companheiro para a vida. Havia
outra fotografia que lhe despertou a atenção. Era uma foto de uma jovem e, então,
Luís, percebeu. Joana fora a amiga e testemunha de um grande amor.
Aqui estava o momento que ansiava. Conseguia
escrever uma história de amor de uma jovem para com um casal que escolhera
partilhar os bons e os maus momentos até ao fim dos dias. Seria sim, a HISTÓRIA
DE JOANA.
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