terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

HISTÓRIAS SINGULARES




ENCONTRO COM A HISTÓRIA

No princípio de 1965 encontrava-me na guerra colonial em Cabinda e na altura comandava um destacamento, um pelotão, instalado num monte sobranceiro ao rio, fronteira natural com o Congo Ex-Belga.
Era um local bonito e tranquilo. Na base do monte e junto ao rio havia meia dúzia de casas comerciais de brancos portugueses, que ali viviam e tinham constituído família, fazendo o seu negócio, comprando óleo de DENDÊ e peles de crocodilo, e vendendo às populações locais, peixe seco e alguns panos coloridos.
A fronteira não era um obstáculo. O comércio fazia-se nos dois sentidos.
 Na meia encosta, uma casa de arquitectura colonial, servia de posto e de residência ao Administrador, máxima autoridade civil naquela área.
Era um português de meia-idade, conversador e ao contrário do que se podia pensar, procurava administrar a justiça e cobrar o imposto mínimo sem usar da força e até com alguma parcimónia.
Numa certa manhã, estava eu a redigir um relatório para enviar para o comando da Companhia, quando a sentinela me chama porque o cipaio ao serviço do Administrador pedia para eu descer até ao posto pois ele tinha visitas.
E fui.
Sentados à volta da mesa no terraço estavam dois homens brancos, vestidos de camuflado mas desarmados, bebendo cerveja de garrafas de litro e meio, compradas no outro lado do rio. O meu amigo Administrador estendeu-me uma cadeira e apresentou os visitantes, como dois soldados ao serviço do exército Congolês.
O nome de um fixei, era francês e não me foi difícil entender e conversar; O outro entrou mudo, saiu calado e apenas abriu a boca para esvaziar cervejas.
O Administrador tinha alguma dificuldade em falar francês e eu fui o interlocutor privilegiado, até por ser o responsável militar naquela zona.
O francês era um homem de cerca de quarenta anos e apresentou-se como comandante Bob Denard. Chefiava um grupo de combatentes que, sob as ordens do primeiro-ministro Congolês, Moisés Tchombé, se dirigia para a cidade de Kisangani, antiga Stanleyville, que tinha sido ocupada por guerrilheiros maoístas.
O exército regular tinha fugido e os rebeldes controlavam a cidade onde mantinham cativos todos os estrangeiros que trabalhavam naquela zona, rica em minério.
A situação dos reféns era do conhecimento internacional assim como se sabia que a Bélgica, através da Companhia mineira que explorava as minas do Katanga, havia contratado mercenários para retomar o controlo da cidade.
O que eu não percebia era a razão duma visita tão inesperada.
Mas o comandante francês apenas me vinha informar que no caminho encontrara duas missões religiosas e que lhes tinha aconselhado a, ao menor sinal de aproximação dos simbas, assim se chamavam os guerrilheiros, atravessassem o rio e pedissem refúgio junto da tropa Portuguesa. E vinha pedir essa atenção.
Mais cerveja, nunca havia encontrado ninguém que bebesse tanto, e o comandante Denard falou um pouco da sua vida.
- Teria lutado na Indochina, depois na Argélia. Fora preso em França por suspeitas de envolvimento no golpe militar que os militares franceses haviam tentado para recusar a independência da Argélia. Agora era soldado da fortuna, ou por outras palavras, um mercenário.
Finda a visita e esgotadas as cervejas os dois combatentes desceram ao rio, tinham um pequeno bote amarrado na margem, pegaram nas armas e partiram ao encontro dos camaradas.
Do comandante Dénard, cujas aventuras me fascinaram, mesmo que algumas fossem exageradas ou inventadas, voltei a ouvir falar durante muitos anos, até à sua morte. Do seu colega, nunca soube o nome, mas só lembro ter notado que teria apagado alguma tatuagem no antebraço. Iria jurar que escondera os restos de uma cruz suástica.
Do momento guardei a lembrança de um encontro imprevisto com a história do coração da África negra. Uma tragédia que foi notícia pela sua violência e que ainda hoje faz correr rios de sangue.
O flme que escolhi, apesar de romanceado, tem algo a ver com o drama.




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