Manuel Gargaleiro
Cidade dos mastros e caravelas
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
Portalegre/Portugal
15 – DEZ ANOS DEPOIS – 8º CAPÍTULO
A viajem para Maputo, era desesperadamente longa e cansativa.
Luís tentava dormir mas não conseguia mais do que fechar os olhos por breves instantes.
Ler?
Bem que tentava, folheava o livro, e ao fim de algumas páginas já esquecera o início.
Não resistiu à curiosidade e do sobrescrito que a Mãe lhe tinha entregue, retirou mais uma carta do Frederico. Tinha o número dois. Abriu e como a outra continha apenas uma página escrita a lápis com uma letra tremida como se fosse o retrato de alguém sem força ou vontade de viver.
Luís acreditava que Frederico começara uma caminhada pela vida, como se fizesse uma peregrinação.
E o título que ele dera à carta era sinal do desespero.
“O náufrago” fora o título escolhido.
Luís não tinha dúvidas. Frederico optara por enfrentar os seus medos, as suas angústias o seu desespero, a sua solidão, caminhando por um rio sem margens e cada vez mais perto de naufragar. Luís tremia a cada frase que lia, sentira o desespero de alguém que se abeirava do fim.
E o texto confirmava os seus receios.
“É noite escura e fria. Caminho por entre as sombras ao longo das ruas e dos becos duma cidade que nem sei como se chama.
Sou um náufrago que sobreviveu à tempestade, despido de memórias e órfão de afectos.
Da hecatombe em que me deixei envolver apenas sobrou a tua amizade. Assim espero.
O mundo em que vivo é um deserto, onde as pessoas passam correndo. São apenas vultos, sombras. Nem um olhar os transforma em seres humanos.
Vou percorrendo as ruas de dia e de noite e acabo no meio dos desesperados e deserdados da vida, sem esperança, sem futuro. Como eles procuro nos recantos das vielas um lugar para descansar o corpo.
Como eu gostava de repousar a cabeça num ombro amigo e ter um pouco de calor.
O frio da noite transformou-me num vagabundo partilhando os caixotes, os jornais e os vãos das portas.
A alvorada é o sinal que todos esperam para saírem dos buracos e famintos mendigarem uma moeda para comprar um pão.
Também eu, sentado no portal de uma casa recebi moedas que não pedi mas que os transeuntes me lançam como quem compra um lugar no céu ou talvez para acalmarem a consciência.
Encontrei um amigo negro como a noite, vagabundo como eu. Fala uma língua que não entendo, não importa sequer, ele sabe os lugares onde pessoas de boa vontade matam a fome a tantos desgraçados. Segui a seu lado, não pela comida, mas porque não queria perder o amigo que acabara de encontrar.
Andamos juntos sem destino, como dois náufragos numa jangada que se move ao sabor dos ventos e das marés.
Passou tanto tempo desde que parti. E tanto caminhei.
Saí ferido como um caçador de sonhos que despertou mas que precisava de acreditar que o sonho podia ser realidade. Mas tenho aprendido. Não há lugar para os sonhadores. Tudo o que pensei conseguir, falhou.
Sonhei com uma família que não existia, uma Mãe que não me reconhecia e um Pai que me tentou comprar. E eu vendi-me para viver um grande amor. Um grande amor, como se isso existisse!
A realidade foi uma ilusão, não foi mais do que um fugaz momento, que uma brisa ligeira depressa afastou.
Estou no meio do caminho para não sei onde; Mas sinto que o meu novo amigo me guiará nas noites escuras, duma cidade triste.
Estou cansado, anseio por esquecer a vida que não vivi, os sonhos que me perderam e num dia que antevejo mais perto o meu amigo continuará, mas só, a sua busca do país do sol e do mel. Eu, esgotado, ficarei na beira do caminho. Já falta pouco. Só mais um esforço.
Frederico. “
Luís ouviu aquele grito do amigo. Deixou que uma lágrima se escorresse pela face.
Voltou a procurar nas cartas algum sinal que o ajudasse a seguir o caminho onde Frederico se perdera.Mas nada encontrou. Lembrou-se que os selos das cartas o poderiam ajudar a ter uma ideia do local onde, admitia pudesse tentar localizar Frederico. Concluiu que os selos e o carimbo das cartas seguiam um determinado rumo, cada vez mais longe de casa. A primeira carta tinha um selo de Espanha e parecia entender no carimbo que fora expedida de Madrid, outra fora de Paris. Cheio de esperança retirou as outras e seguiu a marcha. A terceira carta tinha um selo Alemão, outras tinham selos da Itália, Turim e da Suíça, Genebra.
A última carta reservou-lhe uma surpresa. Não tinha selo ou carimbo. Fora, por isso depositada em mão na caixa do correio. Fora Frederico que por qualquer razão voltara, ou fora um amigo a servir de correio?
Não teve coragem para abrir as cartas restantes. Fê-lo por medo, por amizade. Tanto que ele queria ajudar Frederico, mas teve medo da última carta. Vou continuar em casa, lendo e relendo com mais atenção os gritos do meu amigo.
Talvez o vento me traga notícias. A viagem não terminava e ele já lhe apetecia voltar. Talvez Frederico o procurasse.
Talvez o vento me traga notícias. A viagem não terminava e ele já lhe apetecia voltar. Talvez Frederico o procurasse.
Entretanto Simão exultava com a opinião do empresário russo. Assinaram o contrato de fornecimento do vinho tinto da colheita mais premiada. Não aceitara a exclusividade no fornecimento do vinho mais premiado. Não aceitara ficar nas mãos de um só comprador. Tinha clientes cuja fidelidade tinha que respeitar. Todavia fizera um bom negócio e a margem era excelente. Valera a pena o investimento na produção e no marketing.
Estava tão feliz que se esquecera que o vinho, por ironia do destino, lhe dera mais um contacto do grupo. E logo o da bela Leonor, a musa das paixões, que sempre soubera representar o seu papel mas que, provavelmente acabara só na frígida Dinamarca.
Regressou a casa e decidiu que, era tempo de comunicar o programa para a festa do reencontro.
Pediu a Luísa para o ajudar a redigir o convite.
Estavam a escrever o programa para envio utilizando os endereços electrónicos já conhecidos. No final, Simão confirmou que apenas faltava um, o de Frederico. Mas algo lhe dizia que só Luís o conseguiria encontrar.
A mulher olhou para ele abanou a cabeça e chamou-lhe a atenção para outro ausente.
- Qual perguntou Simão?
- Creio que te esqueceste da tua irmã. A Mariana não voltou a casa desde que se mudou para Londres e alguma razão terá. Acho que é tempo de conversar com ela antes de dar como adquirida a sua presença. Oxalá me engane, mas Mariana terá um segredo que não quis revelar e tem evitado falar contigo.
Se o teu tempo não te permita uma deslocação a Londres, deixa que seja eu a ir ao seu encontro. Quem sabe entre mulheres ela se sinta mais à vontade.
Simão ficou perplexo e agitado. Não compreendia nem queria acreditar que Mariana pudesse viver momentos menos bons, a precisar de ajuda e de amparo e ele não estivera a seu lado. Todavia nunca lhe conhecera razão para viver infeliz. Pensando bem, tremeu, quando se deu conta que, afinal ele sempre vira na irmã, uma garota ajuizada, um pouco triste, pouco expansiva, mas ela era na altura uma jovem de dezasseis anos. Agora, tantos anos decorridos Mariana seria uma mulher independente e que se resguardara. Sentiu-se culpado, talvez a irmã tivesse pedido ajuda por actos ou palavras a que ele não dera atenção. Ela e com razão, perdera a confiança no irmão.
Teve medo e reconheceu que a mulher tinha razão ao propor ser ela a viajar para Londres.
Esperava que Mariana aceitasse falar abertamente com uma mulher que sabia ouvir. E essa mulher era sem dúvida, Luísa.
António Soares
Terrasse du café des Plaires
Museu do Chiado
Lisboa/Portugal
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