Nadir Afonso
Mortes Même dans le Souvenir
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
Portalegre/Portugal
O REENCONTRO
E o dia chegou.
Simão estava nervoso e nem sabia porquê. Levanta-se manhã cedo, andara pela quinta, sentara-se nos penhascos a admirar o rio que corria entre os socalcos. Estava frio, o céu encoberto era o presságio de que a chuva não tardaria a aparecer. Começou de mansinho, uma chuva leve e fria. Recolheu a casa, aproveitou para acender a lareira dando à sala o ambiente de conforto que esperava.
Sentou-se num cadeirão olhando o fogo. Não se sentia tranquilo, afinal dez anos era muito tempo. Como seriam os amigos dez anos depois? Teriam o mesmo riso, a mesma simplicidade? Seriam ainda capazes de falar dos amigos ou já teriam esquecido e falariam apenas de si, dos seus sucessos, das suas vitórias?
Toda a dúvida o feria, a ponto de lamentar ter tido a ideia do reencontro.
Todavia, tomara uma decisão acertada o que lhe dava tranquilidade. Confiara na mulher Luísa, no seu discernimento, na sua inteligência, na sua força interior e entregara-lhe a responsabilidade pela organização.
O seu pedido, começara por recordar como eram os amigos, dez anos atrás. Lembrou-se de todos. Daqueles que tinham um caminho traçado e do qual não fugiriam, dos que sofriam de ciúmes de jovens ambiciosos, dos olhos verdes que inspiravam paixões, da ingenuidade da irmã e sobretudo dos jovens inquietos e sonhadores, crentes num mundo que já não existia.
Luísa pensou que faria sentido que cada um aceitasse falar sem reservas do seu percurso durante os dez anos passados. Para isso não encontrou melhor do que um encontro informal, numa tarde de chuva sentados numa mesa, recebendo a luz da lareira ou escondendo-se na sombra do entardecer, cada um confessando os sucessos, as vitórias, os fracassos também, os amores e desamores.
No final era como se cada um se sentasse na cadeira do psicólogo e abrisse o coração. Não seria uma terapia mas um acerto com o passado. Espreitaria a oportunidade e quando o ambiente estivesse desanuviado, lançaria a ideia.
E os amigos começaram a chegar. O primeiro foi o Carlos, vinha de perto da cidade do Porto e conhecia o caminho. Chegou só e algo nervoso. Tinha um ar que não enganava. Continuava tímido e como tal defenderia o seu ego. Usava óculos graduados, o cabelo ralo e penteado de modo a tapar a calvície que já era evidente. Sorria quando abraçava Simão e foi depois foi mais formal ao cumprimentar Luísa.
Depois chegou Carla e o marido. O seu rosto era alegre e os olhos vivos sorriam com verdade. Estava feliz e não o escondia. Não era uma mulher muito bonita, também não o fora enquanto jovem, mas tinha qualquer coisa de atraente e que não passaria despercebido a quem olhasse para além do aspecto exterior. Um homem distraído como Simão, não perceberia que Carla era uma mulher muito interessante e envolvente. Ela teria feito estragos em muitos corações.
O ambiente até ali frio e muito convencional mudara completamente. Carla trouxera a alegria de uma mulher realizada mas sobretudo feliz. Luísa sentiu nela uma aliada para pôr a falar os outros quando a ocasião se proporcionasse.
A Leonor chegou de táxi. A princesa dos sonhos dos rapazes do grupo. Mas como estava mudada, Simão nem a reconhecera no primeiro momento. Estava magra, cabelo grisalho, olhos tristes. Sorriu ao ver Simão, agradeceu-lhe o convite e desculpou-se pelo marido que, por trabalho não pudera aceitar estar presente. Conservava os olhos que tantas paixões haviam despertado, mas eram agora mais escuros e escondidos por óculos de sol. Óculos de sol num dia cinzento? não era um bom augúrio, observava de longe Luísa. E pensava se Leonor criara uma imagem enquanto jovem, que atraía os rapazes, mas acabara por perder esse fascínio e ficou, dez anos depois uma mulher só, triste e sofrida. Algo mudara na vida daquela mulher que deixara marcas.
Enquanto cumprimentava os presentes, o olhar vagueava pela sala, desde o centro até a um recanto mais resguardado, como se procurasse outro olhar. Mas a curiosidade desapareceu e lentamente Leonor regressou ao seu casulo.
A chegada do Luís foi uma lufada de ar fresco. Aquele homem grande fora sempre o amigo de confiança. O rapaz determinado e sempre disponível, transformara-se agora num homem com o charme discreto de quem aprendeu as lições da vida. Luísa olhava para ele e via alguma semelhança com Simão. Mas no marido reconhecia e bondade e a lealdade, que nada escondia. Porém o Luís que abraçava com força os antigos companheiros, transmitia uma confiança que, afinal tanto o ajudara a triunfar na vida, enquanto o seu rosto era uma mistura de alegria e felicidade com dor e sofrimento. Viera acompanhado por uma amiga especial, que apresentou como sendo a sua companheira e por um rapaz negro tímido e nervoso. Luís colocou a mão no ombro do desconhecido, apresentando-o como Omar, um amigo especial que, nos momentos difíceis soubera ser o amigo de que todos precisam.
Luísa teve um pressentimento. Aquele rapaz negro representaria o Frederico, só não sabia o porquê mas não augurava nada de bom.
A velha casa da ribeira era agora um hotel. Simão encomendara a um conhecido arquitecto a recuperação da casa, aumentando o espaço disponível mas preservando a traça original. Tinha orgulho no produto final, um excelente hotel recomendado para os amantes da natureza e das tradições. Tinha uma maior valia, o vinho Casa da Ribeira, que coleccionara prémios em certames internacionais. Era um hotel caro, Simão reconhecia, mas para além do preço ele preocupava-se sobretudo com a qualidade dos hóspedes. Dizia à mulher que um homem rico, mesmo que muito rico, podia ser um péssimo cliente e estragar o que tanto prazer nos deu a construir.
Naquela semana do reencontro o hotel ficara reservado para os convidados e Luísa foi uma anfitriã muito atenta. Todavia não deixou de referir:
- A ideia do reencontro, para além de rever amigos de juventude foi, também, uma homenagem ao vinho, Casa da Ribeira, produzido neste quinta, que corre mundo e acabou por ser o guia para o encontro de muitos dos presentes.
Eu em nome do Simão apenas quero concluir dizendo, são todos bem-vindos.
A sala representa o coração desta velha casa, espero que sintam nela a magia do reencontro dos amigos reencontrados.
Passada a confusão da chegada Simão aproximou-se de Luísa segredando:
- Não nos esquecemos de ninguém? Então sou eu, o Carlos o Luís a Leonor e a Carla. Somos cinco, faltam a Mariana e o Frederico. Sabes alguma coisa?
- Simão a Mariana não pode vir. Está em digressão com a companhia pelos Estados Unidos e Canadá. Mas quando esteve comigo em Londres, escreveu uma saudação que eu irei ler uma tarde de convívio. Quanto ao Frederico nada sei, mas acredito que o Luís reserva alguma surpresa.
No momento certo iremos sentar à mesa os membros que vieram, deixaremos em aberto os lugares da tua irmã e do Frederico e celebraremos o reencontro.
E depois assumiremos a alegria, talvez a saudade, porventura dor. Mas mataremos a saudade dos anos passados.
No momento certo iremos sentar à mesa os membros que vieram, deixaremos em aberto os lugares da tua irmã e do Frederico e celebraremos o reencontro.
E depois assumiremos a alegria, talvez a saudade, porventura dor. Mas mataremos a saudade dos anos passados.
CUSTÓDIA DE BELÉM
Gil Vicente (ourives com actividade conhecida entre 1503 e 1517)
Portugal, 1506
Ouro, esmaltes polícromos, vidro
Portugal, 1506
Ouro, esmaltes polícromos, vidro
Museu Nacional de Arte Antiga
Lisboa/Portugal
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