Marcello Moraes
New York
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
Portalegre/Portugal
14 – DEZ ANOS DEPOIS – 7º. CAPÍTULO
Logo que o avião estabilizou Luís abriu a pasta e retirou o sobrescrito com as cartas do amigo. Eram apenas seis pequenas cartas, e para cada Frederico escolhera um título.
Nem uma data, um local um endereço, apenas um título.
Na primeira: “O ano do tsunami”.
Luís fechou os olhos, imaginava o período em que Frederico teria escrito aquela primeira carta. Tsunami seria apenas uma figura de estilo, conhecendo Frederico, foi-lhe fácil concluir que aquela carta fora um grito de dor, num momento de desilusão, de ilusões perdidas. Certamente no fim da felicidade quase perfeita com o que o havia encontrado com Leonor. Lembrou-se que Frederico vivera durante quatro anos uma aventura sentimental com o amor de infância, havia-os encontrado nesse período, felizes, tranquilos como um mar manso e cúmplice. Aquele amor era etéreo, assim julgavam, mas num qualquer momento tudo se desfizera e como um tsunami a vida daqueles dois amantes ficara despedaçada e perdida no fundo do mar.
Ele conhecia Frederico e iria jurar que o título da primeira carta seria o fim dum amor tão perfeito que nunca poderia resultar.
Começou a ler e tinha razão. A carta começava assim:
“ Ingénuo que eu fui, andei passeando na praia , ouvindo a música das ondas e não prestei atenção aos sinais de tempestade. E certo dia, o mar galgou a terra. Gritei por ajuda mas não fui ouvido. Era época de exames e para alguém isso foi a prioridade. E eu perdi-me.
O vento e as marés levaram-me a outro porto. Despido dos sonhos.
E comecei a minha caminhada. Só como sempre vivi.
Sigo guiado pelo vento, sem destino e sem abrigo. A vida não é, meu amigo, apenas uma questão de escolha. Eu não escolhi, mas o meu destino estava escrito desde o dia em que nasci. Eu fui um acidente na vida de outras pessoas e assim continuo a ser.
E pobre de mim, cheguei a acreditar que também eu merecia ser feliz.
A desilusão dói.
Adeus meu amigo, outro dia, de outra parte, irei escrevendo. Até ao fim.
Frederico”
Luís acabou de ler aquelas palavras escritas numa letra trémula e numa simples folha de papel de bloco de apontamentos. Como esperava, o amor por Leonor desaparecera à mais pequena contrariedade. E assim teria de que ser. Frederico era um sonhador que agora se transformara num peregrino e Leonor optara por ser uma pessoa normal. Com uma vida comum. E merecia ser feliz.
Guardou a carta, fechou a pasta, não quis ler as restantes. Fá-lo-ei em casa, em silêncio, lendo mais uma carta e olhando as estrelas.
Entretanto, Simão foi surpreendido quando recebeu a confirmação que o empresário russo já estava instalado no hotel Sheraton da cidade do Porto. Ele tratara de toda a logística mas com a cabeça ocupada com as histórias dos amigos, esquecera-se da data da chegada.
Foi a correr para casa, a mulher já lhe tinha preparado a mala de roupa, chegou e partiu de imediato para o aeroporto. Como passageiro frequente tinha prerrogativas que, desta vez não hesitou em reclamar. Um passageiro que se preparava para embarcar, foi educadamente retirado da lista de embarque e Simão ocupou o seu lugar.
Não se sentia bem com o que acabara de fazer mas, é bom para o País, vou conseguir contribuir para o aumento das exportações, desculpou-se para si mesmo.
Tinha quarto alugado no mesmo hotel e foi fácil encontrar o empresário que o aguardava. Nunca o havia visto, mas reconhecera o director de compras que encontrara em Moscovo. Caminhou apressadamente na sua direcção quando foi barrado por dois seguranças. Ficou sem saber o que fazer, os seguranças não sendo funcionários do hotel teriam que ser guarda-costas do empresário russo. Por sorte o seu conhecido apercebeu-se da situação, dirigiu-se a ele com um sorriso aberto e de mão estendida, resolvendo a questão.
Acompanhou Simão e fez as apresentações. O empresário russo, pareceu-lhe simpático, era um homem de meia idade, magro mas de elevada estatura, e começou a falar num excelente inglês mostrando o seu gosto por estar em Portugal pela primeira vez e o agrado com que havia recebido o dossier sobre o vinho que Simão deixara em Moscovo.
Foi ainda mais conclusivo afirmando ter apreciado o vinho, oferecera até uma garrafa a um Ministro seu amigo.
Estou aqui para auscultar as suas disponibilidades em termos de entrega da quantidade de garrafas da colheita que eu já escolhi. O meu secretário acertará consigo os detalhes. Vai-me desculpar, eu preciso de descansar algumas horas para que amanhã o possa acompanhar para ver as vinhas e a adega.
Depois assinaremos, como espero, o contrato.
O empresário levantou-se e começou a andar, acompanhado pelos dois seguranças. De repente parou, voltou atrás e disse:
“ Meu caro amigo. Já me esquecia de lhe dizer que antes da minha vinda ao seu belo País, passei pela Dinamarca, onde no Hospital Universitário tive que de fazer alguns tratamentos periódicos. E sabe que mais, a minha médica assistente é sua conhecida, ela viu o dossier de apresentação do vinho e reconheceu o rótulo. Disse-me que conhecia a casa da ribeira e o seu proprietário. E deu-me um cartão para lhe entregar. Vassily o cartão está na minha pasta, encontrei-o e faça a sua entrega.
Simão estremeceu ao receber o cartão. Como previa era um cartão escrito em Português. Dizia simplesmente:
“Duma velha amiga do grupo da casa da ribeira. Espero que o senhor Orlov, meu doente, goste do teu vinho como eu gostei da amizade daquele grupo que se perdeu. Mas eu estou aqui e tenho saudades. Um beijo da Leonor”
Amadeo de Souza-Cardoso
D. Quixote
Museu da Fundação Calouste Gulbenkian
Lisboa/Portugal
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