-O País reúne as condições para, no curto prazo, consolidar o regresso
aos mercados.
Era uma pequena notícia, em jeito
de rodapé, da pequena folha que a Junta de Freguesia costuma distribuir.
O senhor Francisco não deu grande
atenção aquela afirmação nem às poucas notícias que o pequeno jornal trazia nas duas folhas
habituais. Mas viu dois óbitos na freguesia. Da senhora Gertrudes, uma mulher que
nunca casara, que nunca deixara a casa recebida dos seus Pais, uma casa tão
velha como velha era a aldeia. Ninguém conhecia a sua idade nem família. Vivia
do que a pouca e pobre terra lhe dava e a pobreza e a solidão tinham sida as
suas únicas companheiras.
E o senhor Francisco não deixou
de lembrar as histórias que sempre ouvira contar sobre a Senhora Gertrudes.
Ainda jovem perdera o Pai, diziam
ter sido pela embriaguez que o levara a cair numa pequena represa de água.
Depois perdeu a Mãe, que escolhera partir, baloiçando na ponta de uma corda.
Enfim, é a vida, murmurava o
senhor Francisco.
Depois outra notícia, até com
fotografia, que noticiava a morte do senhor Aníbal Espinha. Ele conhecia o
defunto. Fora seu cliente durante mais de vinte anos.
Mas a doença tinha-o atirado para
uma cama de onde apenas saíra no dia do funeral. E o senhor Francisco, com mão
trémula, lá consultou o velho caderno onde assentava os movimentos da sua já reduzida clientela, que nos últimos
anos tinham voltado a utilizar aquele meio de pagamento. É a crise, diziam todos de forma envergonhada, não há trabalho! Afinal lá encontrou a dívida do senhor
Aníbal. Era de cerca de cinquenta euros, que riscou, enquanto pronunciava, paz à sua alma.
O senhor Francisco, taberneiro e
único merceeiro, espreitou da porta da taberna mas nem um cliente, um só que
fosse, lhe aparecia para beber um copo ou um café.
Ficara só, sentia que algumas pessoas
evitavam passar pela sua porta. Coitadas, tinham vergonha pelas dívidas que não
conseguiam pagar..
Mas os tempos estavam difíceis e
o seu pequeno negócio estava próximo do fim. Também já nada o preocupava. Tinha setenta e cinco anos de idade, vivera só desde que a mulher partira para a sua última e única viajem.
Naquela aldeia restavam poucas
casas habitadas e quase só por velhos. Mas pouco a pouco algumas das velhas casas tinham ganho
outra vida ouvindo-se de novo os gritos de crianças brincando. Era o
regresso dos netos, crianças condenadas à pobreza e à escuridão. Os Pais haviam perdido o trabalho, as casas e o futuro.
Tiveram de partir à procura de trabalho e de sustento. Pais e Mães que
vergados pela dor chegaram à aldeia pela noite e saíram pela madrugada.
Com os olhos húmidos deu pela
entrada do Zé Manuel, um reformado da junta de Freguesia que era um dos seus
principais clientes. E ao contrário da tristeza do senhor Francisco o senhor Zé
parecia feliz.
-Oh amigo Chico não esteja assim,
as coisas vão melhorar. Amanhã é dia de pagamento das pensões e ouvi
dizer que todos irão receber um aumento. O Presidente da Junta afirmou que no cálculo da pensão seria também considerado o valor do mês anterior.
-Eu acredito do que ele me disse. Afinal talvez alguém se tenha condoído dos mais pobres, dos velhos, dos doentes e tenha decidido um aumento das pensões. E, senhor Chico, fique ciente que logo que eu receba o valor do aumento, virei a correr pagar a minha dívida. E com os outros acontecerá o mesmo, estou certo.
Sirva-me aí um bagaço só para comemorar.
Sirva-me aí um bagaço só para comemorar.
O senhor Francisco ganhou a esperança perdida.
Amanhã os clientes voltarão e, quem sabe, assim poderia ser o regresso ao negócio pequeno, mas que lhe tinha permitido viver, pensou
enquanto os seus olhos já cansados percorriam as prateleiras quase vazias.
E fez-se luz no seu espírito. Compreendeu
o que lera na pequena folha do pequeno jornal. Afinal era verdade, o regresso
aos mercados era uma boa notícia. Porque os mercados são coisa boa, amigos dos mais pobres.
Ao contrário do que vinha sendo habitual,
dormiu bem, levantou-se como de costume bem cedo, abriu a porta do
estabelecimento e ficou à espera dos clientes.
Esperou e desesperou. Só perto do
meio-dia o senhor Zé o procurou. Trazia um pequeno papel das mãos e mostrou ao
amigo, enquanto desviava a cara para esconder a vergonha e as lágrimas que lhe
corriam pelo rosto. E disse: Senhor Francisco veja o valor da minha reforma. Os
benefícios que o Governo nos anunciou representaram para mim um aumento no
valor na pensão de 1,80 Euros.
Olharam-se nos olhos. E uma nuvem
negra ocultou o sol.
Sem mais palavras, cada um
regressou às suas angústias pressagiando o único caminho, a única solução. Uma
corda e uma árvore.
ANEXO
Hoje dia 2 de Março do ano da graça de 2013, um povo massacrado, sem presente e sem futuro, governado por" gauleiters" às ordens do capital financeiro, vai sair à rua, gritando que o Povo é quem mais ordena. Nada poderá parar um Povo que lute pela liberdade.
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