quinta-feira, 10 de novembro de 2016

O DESERTOR


ABANDONADOS

E lá foram caminhando, por uma estrada em mau estado, instalados numa carroça que uma mula velha e cansada ia puxando.

Já tinha decorrido bastante tempo depois da partida, quando o condutor, olhando para o companheiro que seguia ao lado, resolveu dar os conselhos. Assim:

- Estamos a chegar a uma curva da estrada onde, normalmente, estará uma patrulha da Guarda Civil. Eles já me conhecem e provavelmente, irão perguntar quem é você. Finja que não entendeu e serei eu a falar. Percebeu?

Diogo, o irmão mais velho, acenou que sim. Não seria difícil, pensou com os seus botões, já que eu nem o que ele tem dito, tenho entendido, quanto mais conversa de polícia. Isto pode correr mal!

Não demorou muito tempo até que dois Guardas, saindo meio das árvores os mandaram parar.

- Então agora também faz o transporte de pessoas, pergunta um dos Guardas? 

- Não senhores guardas, este é um desgraçado sem eira nem beira que procura trabalho. Ajuda-me a troco de umas sopas. Eu não me esqueci de vocês, trago a lembrança do costume. E pegando num pequeno saco entregou-o ao guarda mais próximo que o aceitou, com um sorriso.

O outro guarda, mais graduado, dava uma volta pela carroça, espreitara a carga, nada viu e fez sinal ao colega para deixar seguir.

Foi o alívio para António, que escondido pelos fardos, sentiu que tinham retomado o caminho.

Continuaram a viajem, mas os dois irmãos agora juntos, olhavam entre si porque se tinham apercebido que o condutor ia ficando mais tenso e que as suas mãos lhe tremiam, até para acender o cigarro. Era um mau sinal, pensaram. 
Passadas mais umas centenas de metros, Manolo parou a carroça e virando-se para os dois irmãos disse:

- Chegámos ao local onde nos teremos de separar. Vocês seguem um carreiro que vão encontrar ali mais à frente, caminham o mais rápido possível até encontrarem as ruínas de uma casa. Saltem o muro e escondam-se até aparecer o homem que vos guiará até ao local que procuram, casa dos familiares do Doutor Gonzalez. O nome do homem é Alonso, é um desertor do exército franquista e que, naturalmente, tem que viver escondido.

A carroça retomou a marcha e numa curva mais adiante, Manolo disse:

- É aqui que acaba o meu trabalho. Corram, ali está o caminho que vos indiquei.

E eles lá foram correndo, por entre moitas e pinheiros até pararam junto a um muro em ruínas. Reganharam forças, saltaram o muro.

Aguardaram e ninguém apareceu.  Foras horas até ao fim do dia. Sem comida e cheios de frio, mas do Alonso nem sinal. António segredou ao irmão: 

- Não fiques assim Chico, o Alonso não era um desertor ?Então voltou a desertar e nós ficamos sós. Por isso, não é tarde nem é cedo, vamos correr na direção da fronteira e regressamos a casa.
- O irmão levantou-se num salto e ia começar a correr quando parou. Olha lá, estamos perdidos e de noite nunca mais vamos encontrar o caminho de regresso!
Tinhas razão esta história não começou bem e também eu começo a ter medo que tenhamos caído numa armadilha. Mas por isso, mesmo de noite temos que fugir, atravessar a estrada em que o Manolo nos deixou e quando estivermos longe deste lugar, pensaremos no melhor caminho para casa.
A nossa aventura começou tremida, agora se ninguém aparecer e nos ajudar pode ser o fim da viajem e da nossa vida.

 

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