sexta-feira, 4 de novembro de 2016

POR TERRAS DE ESPANHA


CAMINHANDO

 

Cheios de frio e cansados os dois irmãos, largaram o saco que transportavam às costas e sentaram-se sem trocar palavras. Apetecia-lhes dormir mas, molhados até aos ossos, não conseguiam.

O irmão mais velho resmungou:

- Isto vai acabar mal, eu não sei se consigo fazer o que prometemos. Cada vez mais me arrependo de ter seguido. O cansaço eu sei o que isso é, o corpo molhado e o frio não é novidade, mas agora tenho receio do que nos espera. Não sei, não sei, por mim voltava para trás.

 António fixou os olhos no irmão, abanou a cabeça dizendo:

- Chico, para quem aqui chegou, o caminho só pode ser um. Seguir em frente. Acredito que estamos perto da casa que o Ernesto nos indicou. António, assumindo-se como chefe indicou a estratégia.

- Eu vou da frente e tu segues um pouco mais atrás, deixando sempre um espaço entre nós. Quando eu parar e me agachar tu fazes o mesmo. Eu só entrarei na casa se vir a luz da candeia na janela, o sinal que o caminho estará livre. Se apesar da luz a detetar algum movimento suspeito, faço-te sinal e tu ficas escondido. Espera uns minutos. Se eu entrar na casa e não sair para te chamar, foge e regressa a casa. Não esperes por mim, eu tentarei fugir mais tarde.

Pegaram nos sacos e foram-se aproximando da casa, pequena isolada na encosta da serra. António assinalou a luz que mal se via por entre as árvores e o nevoeiro da manhã de inverno. Que alívio, pensou, o sinal era de caminho livre. Parou, ficou atento a algum barulho, e nada lhe pareceu estranho. Antes de nela entrar sussurrou ao irmão:

- Parece tudo calmo, mas nunca fiando. Vou entrar e tu espera que eu te chame. Não te esqueças do que combinamos. Se eu não sair da casa, seja o que Deus quiser. 

Com todo o cuidado António empurrou a porta que estava entreaberta e entrou. Viu que no interior apenas estava um homem aquecendo-se à lareira. Perguntou:

- O senhor é o Manolo?

Foi com alívio que ouviu a confirmação e mais tranquilo ficou quando o camponês lhe apontou um banco junto da fogueira. António fez apenas um gesto a pedir um momento e foi à porta chamar o irmão.

Manolo pegou nos sacos, saiu da cozinha, desceu um degraus e voltou com um molho de notas que lhes entregou. E, de seguida, a mulher entrou com uma panela de sopa, colheres e pão e todos foram comendo em silêncio.

Depois de comerem em silêncio, Manolo avisou que ia preparar a carroça com os fardos de palha para se meterem a caminho da aldeia de La Jola, onde o Alonso que tem uma quinta, lhes entregaria as crianças.

- Vocês, disse, dividem-se, um vai comigo o outro esconde-se no meio dos fardos. É possível que encontremos desertores em fuga ou soldados da Guarda Civil. Eu levo prendas para os comprar. Mas tenham atenção, eu não posso aproximar-me da quinta do Alonso. Paro na estrada e indico-vos o local. O resto será entre vocês e o Alonso.

Vamos, o caminho, faz-se caminhando.

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