quarta-feira, 27 de junho de 2012

SIMÃO & COMPANHIA


Joana Vasconcelos
Ave no Paraíso
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
Portalegre/Portugal

13 – DEZ ANOS DEPOIS – 6º CAPÍTULO

Mais uma vez o vinho fora o elo de ligação entre amigos desencontrados, pensava Simão enquanto com uma lágrima no olho regressava a casa.
Enquanto guiava pela marginal, olhando o mar azul e as ondas que vinham beijar a estrada, sentia um mal estar sem que percebesse a razão. Mas a sucessão de acontecimentos, todos tendo como ponto comum o vinho e a quinta onde era produzido, pareciam um desafio que lhe era colocado. Ansiava por chegar a casa e partilhar com a mulher aquela dúvida, aquela coincidência, nem sabia o que lhe devia chamar.
E o mais estranho era que quanto mais desejava acabar e esquecer mais preso se sentia àquele turbilhão em que se deixara envolver.
Luísa percebera de imediato que alguma coisa acontecera e com um sorriso, que espelhava a serenidade com que enfrentara a vida, perguntou:
- Então Simão quem foi o fugitivo que hoje te apareceu?
- Simão começou a repetir todos os passos desde o dia em que em Paris entornara o copo de vinho, do seu vinho, sobre a mesa e o vestido de Carla, o primeiro membro do grupo que encontrara. E depois a satisfação de saber que o Carlos, se lembrara dele, quando em Nova Iorque provou o néctar da casa da ribeira. E agora, numa reunião profissional fora reconhecido pelo Luís, o mais fiel dos amigos, aquele que nunca exigira nada e tudo dera. E mais uma vez a reunião tinha como razão de ser, o vinho.
Como é que tu achas que eu me sinto? Até tenho medo, confesso, parece que alguém comanda a minha vida.
Tenho de terminar esta turbulência. Afinal fomos amigos, cada um seguiu o seu caminho e agora, mais de dez anos do dia em que nos despedimos, o destino bate-me à porta. Mas porquê a mim, perguntava?
A mulher ouviu e sugeriu:
- Pelo que te conheço tens de ser capaz de acabar a tarefa. Não importa porque foste escolhido. Foi o destino, ou pensa aquilo que quiseres, mas lembra-te quem mais podia ser?
Na realidade tu eras e és o dono da casa onde vocês se despediram, és ainda o produtor do vinho que levou a nome dessa casa e que, felizmente, tens exportado para diversos Países, logo tu és o único elo de ligação entre o grupo. É tão simples quanto isso, nada de magia ou de caminhos traçados pelo destino.
O vinho tem sido a tua marca identificativa e com mais ou menos tempo acabará por chegar a todos os membros do grupo. Só que, isso também tens de considerar, pode um ou outro que mesmo entendendo a chamada, não esteja disposto a dar a cara.
- Tens razão, deixei-me levar por razões que não queria entender quanto a realidade é mais simples, é o prazer de gostar de beber vinho, de preferência que nos traga lembranças da terra que nos viu nascer. E por coincidência, admito que talvez tenha sido o único que ficou. 
Percebia que a amizade não era eterna, a vida escolhia os caminhos e alguns se terão perdido, mas ainda assim sentia um impulso, agora irresistível, de continuar a procura.
Abriu o computador portátil e na pasta de contactos acrescentou o do Luís. Contando com a irmã, ficavam a faltar dois companheiros. Leonor e Frederico.
Luísa sugeriu ser ela a preparar a mensagem a cada um dos amigos identificados. Pensava enviar em anexo um pequeno filme, retratando em animação as personagens principais. Reaprenderia a técnica de Web designer e com um pouco de imaginação era capaz de produzir um desenho animado, retratando o grupo, as suas diferenças os seus segredos.
O correio era uma informação e ao mesmo tempo um convite, para um encontro na Casa da Ribeira, num fim de semana a combinar, preferencialmente no final do próximo Outono. Seria altura ideal para um encontro à lareira beberricando o vinho e contando as suas aventuras.
Nesse mesmo dia,  Luís despachou os assuntos correntes e refugiou-se no seu gabinete.
Estava de pé, olhando pela janela o cair da noite. Havia alguns farrapos de nuvens que permitiam ver as estrelas.
As estrelas sempre o fascinaram, quando era miúdo falava com elas e deu-lhes nome. Mas já não se lembrava, agora reconstituíra a noite na serra, dormindo sob o céu estrelado, em que ele e Frederico contaram as suas dores, os seus projectos, enquanto bebiam cerveja e fumavam cigarro atrás de cigarro. Fora o primeiro dia das férias de fim de curso. E fora o primeiro dia de uma semana em que, por conflitos e rancores escondidos o grupo se separara.
Tinha procurado esquecer aqueles dias, onde o grupo perdeu as referências e que aguardaram com impaciência o fim das férias e o começo de uma nova vida, cada um escolhendo o seu caminho.
Ele também escolhera, não fora sequer difícil. Não podia continuar os estudos, não tinha dinheiro para isso, mas já tinha assumido que o trabalho seria o seu destino.
Logo no primeiro dia após as férias tumultuosas, apresentou-se e pediu trabalho ao Tio.
E trabalhou de sol a sol, um trabalho aqui, outro ali, mas sempre conseguia chegara ao fim da semana com dinheiro para aliviar a canseira da Mãe.
Foram dois anos difíceis mas ele nunca vacilou. Fez companhia ao irmão evitando que ele se visse só e perdido na vida. Mas ambicionava mais.
 Era preciso arriscar e convenceu o Tio a ajudá-lo a montar uma pequena empresa em Moçambique.
Mas precisava de algum capital de que nem ele nem o tio podiam dispor.
E lembrou-se do amigo rico, lembrou-se do Frederico. Em boa hora o fez, as relações de Frederico com o Pai tinham melhorado, e sem hesitação o Dr. Gustavo de Freitas aceitou dar o seu aval a um empréstimo para a execução do projecto que Luís apresentara ao Banco.
Luís ia partir para Moçambique, um jovem de vinte anos preparava-se para começar quase do nada uma estrutura capaz de responder aos desafios e à concorrência. Com ele seguiriam dois encarregados muito experientes, que eram considerados como parte da família. Tinham sido sempre o apoio do Tio e agora embarcavam naquela aventura.
Mas não queria partir sem se despedir do amigo. A ele devia não só a amizade como a força para avançar.
Foram jantar juntos, Frederico estudava Direito e Leonor, medicina. Viviam um amor que se adivinhara, como Leonor sempre dissera, tinham nascido um para o outro. E acreditaram naquele desígnio. Eram felizes, encontravam-se e partilhavam o amor e a paixão. Viviam num mundo perfeito, ainda não tinham querido perceber que tal tão existe.
Luís conhecera as dúvidas do amigo e a sua carência de afecto. Frederico seria como uma criança que vivia perdida num mundo de adultos mas ao vê-lo feliz, calmo e apaixonado percebeu que o amor move montanhas. Frederico deixara-se enfeitiçar pelos olhos verdes de Leonor e sentia-se bem. Nem parecia o mesmo jovem indeciso e distante que encontrara perdido naquela noite na serra. Acabaram a noite no apartamento de Leonor, falando do passado com saudade e do futuro com esperança.
Luís embarcou para Moçambique e não mais teve descanso. Não era fácil, não foi fácil, mas nunca desistiu. Conseguira que o irmão lhe seguisse os passos. Tinha recebido um convite para dar aulas Psicologia e aceitara. Luís foi o irmão o chefe o guia e com ele a seu lado, Paulo conseguiria ultrapassar o período de trevas.
Passaram mais três anos, onde apenas no final encontrou tempo para visitar a Mãe e o Tio. Foi uma visita em pleno Agosto e apenas por uma semana. O seu primeiro cuidado foi procurar Frederico e Leonor. Não os encontrou e ninguém lhe sabia dizer onde estariam os dois amantes. Mas era verão nada lhe causou surpresa.
A Mãe recusou sair da sua casa. Guardava as suas energias para ajudar a cuidar dos netos. Nesse caso podiam contar com ela. E olhando para o filho disse:
- A vida foi madrasta em muitos aspectos mas deu-me a fortuna de ter dois filhos, diferentes mas a que dei todo o amor. Mas para ti Luís, deixa-me formular um desejo; Que a vida te dê a mulher, a companheira que tu mereces.   
Luís conseguira aos vinte e sete anos de idade, a sua independência mesmo em termos financeiros. Estava cumprida a primeira parte da sua promessa. Foram cinco anos nos quais Luís organizara a sua vida e saldara a última prestação do empréstimo.
Veio a Lisboa, queria confirmar com o Banco a regularização do empréstimo e analisar uma proposta de linha de crédito que o Banco lhe oferecera.
Depois voltou a procurar, sem sucesso Frederico e Leonor. E como queria agradecer ao Pai de Frederico a sua ajuda, decidiu procurá-lo na Faculdade.
O  Professor Doutor Gustavo de Freitas, o pai de Frederico não tinha resposta para lhe dar.
Sabes, dizia ele, o Frederico para além dos problemas familiares que ele certamente lhe contou, confiou no amor de uma mulher e sofreu uma desilusão.
Eu não a conheci, sei que na altura ela estudava medicina e era uma excelente aluna. Acredito que esteja a frequentar algum estágio ou a exercer medicina noutro País.
O Frederico viveu quatro anos de um amor que julgava eterno, pobre rapaz, isso só existe nos filmes ou nos livros. Partiu de repente, sem dizer adeus. E nunca mais tive notícias. Têm sido anos muito duros.  
 E como se falasse consigo próprio continuou.
- Ele esqueceu-se de nós, mas na verdade fomos nós que, desde criança, nos esquecemos do Frederico. Eu assumo a minha culpa e gostaria de lhe pedir perdão. A minha mulher está cada vez mais distante. Vive noutro mundo onde não cabem sequer as recordações. Nem sei se ela se lembra de que tinha um filho e onde ele está.
Luís olhou para o rosto do Pai do Frederico. Já o tinha conhecido, um rosto severo mas agora via um velho amargurado e vencido.
Custou-lhe muito aquela imagem e saiu do gabinete quase sem o Professor se aperceber.
Com a desilusão apressou a sua viajem de regresso. Estava no Aeroporto, já despachara as malas e quando foi despedir-se da Mãe. E teve a maior surpresa quando ela lhe entregou um maço de cartas, dizendo:
- São cartas para ti, de um amigo verdadeiro. Eu recebi-as no correio, com o meu endereço mas o destinatário és tu. O Frederico, o teu amigo, pediu-me que só as devia entregar quando a tua aventura tivesse um fim feliz. Que ele tanto desejava. Acho que ele, onde quer que esteja, compreenderá, hoje é o dia.

António Soares
Natacha
Museu do Chiado
Lisboa/Portugal




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