sábado, 15 de outubro de 2016

CENAS DA GUERRA CIVIL EM ESPANHA


A MISSÃO

Ernesto respirou fundo. Ele precisava de contar a tragédia mas hesitou e enquanto acendia mais um cigarro olhou para os dois irmãos. E sentiu que não tinha o direito de os ferir.

Foi um dos irmãos, o mais velho, que fez questão de conhecer a missão, para a qual pressentia, Ernesto os iria propor. E fez  a pergunta!

 - Nós temos ouvido, com respeito, o que nos tem contado. Acreditamos, porque sabemos a miséria e a desgraça que apanhou os nossos vizinhos. E isso tem-nos sido contado pelos mais velhos que têm exposto a sua vida contrabandeando bens entre as aldeias da fronteira. Alguns foram presos pela guarda em Portugal, perderam tudo o que haviam conseguido na viajem mas outros, e não foram tão poucos assim, não regressaram e nunca mais soubemos do seu destino.

Nós temos filhos ainda crianças, que vão sobrevivendo do que a terra nos dá, sofrendo o frio das noites, aconchegados pelo calor das Mães que trabalham sem descanso. Nós caminhamos procurando trabalho, e quando o conseguimos, mesmo pago a preço de miséria, temos que, com o chapéu na mão,  pedir para que nos paguem. Isto é a nossa vida, a que nos querem convencer ser um milagre da Paz do Salazar.



Veja o senhor, daquele lado gente morta e torturada e deste lado, outros, porventura mais pobres e que, por isso mesmo, correm os riscos de atravessar a fronteira.

Sim, o que nos vai propor é fazer contrabando, não será assim?

 Ernesto acenou que sim e respondeu.
- Eu tenho contado o que sei e o que vi, para que os senhores saibam o que lhes pode acontecer. Sim, o que eu vos irei pedir é contrabando. Daqui levarão bens que eu próprio pagarei. O que receberem da venda será vosso. Mas no regresso, e espero muito que vão conseguir voltar, a contrapartida será a de trazerem duas crianças de 5 e 7 anos de idade, filhos do meu amigo médico e que estarão, assim penso, a salvo em casa de uma família, num pequena quinta, perdida nos arredores da cidade.

O Doutor Gonzalez tinha irmãos que fugiram a tempo e não querem partir para o México, onde têm mais família, sem as crianças. Quando recebi o pedido para salvar as duas crianças, preparei o caminho mas, como podem ver, aqui estou preso a uma cadeira de rodas. Então decidi pedir ajuda. E é o que vos peço.

Pensem bem, hoje é quarta-feira, e o melhor momento para atravessarem a fronteira será a noite de sábado.

Se quiserem podem voltar a casa e regressarem na manhã de sábado. Terei tudo à vossa espera, o mapa do caminho, os lugares a evitar, a aldeia para venderem a mercadoria, etc. Espero que aceitem, vocês são a única esperança que me resta.

- Vamos aceitar, diz o irmão mais novo. Salvar crianças merece correr riscos. 

Nós percebemos que a saúde, a perna amputada, lhe impedem que seja o senhor a ir buscar as crianças e por isso o seu pedido de ajuda. Mas temos tempo, gostaria de ouvir o resto da estória. Conte-nos, por favor.

 

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