segunda-feira, 10 de outubro de 2016

ESPANHA . A GUERRA CIVIL


O MASSACRE

 

Tomei uma decisão cujas consequências, de que não me arrependo, ainda hoje as sinto. Foi uma decisão que tomei guiado, apenas, pela vontade de combater as tropas nacionalistas que invadiam pelo sul da Espanha, matando, violando e aterrorizando a população das vilas e mesmo das cidades. Eu ouvi relatos de pessoas que conseguiram fugir dizendo que oficiais relatavam na rádio de Sevilha as atrocidades que as suas tropas, mouras principalmente, haviam cometido durante a noite e que iriam continuar a praticar enquanto houvesse resistentes.

Juntei-lhe a outros e, armados com as poucas armas que nos deram, marchamos na direção ao sul, até encontrar terreno propício para emboscar os invasores. E foi na serra morena que começamos a receber a tiro os soldados bem armados, com carros de combate e metralhadoras. Passado o efeito surpresa tivemos de abandonar as posições. Tivemos de retirar, deixando para trás os mortos, as ilusões, a dor e a raiva e procurando salvar os feridos.

Eu carreguei sobre os meus ombros um jovem ferido que levei nos meus ombros, caminhando dia e noite por montes e carreiros desertos, procurando chegar à cidade e pedir a ajuda do meu amigo médico.

Entrei no consultório do médico e caí exausto. Mas foi depois que senti uma dor tão intensa e que permanece até hoje da minha memória. O jovem acabara de morrer.

 Tanto esforço e nem aquele jovem tinha conseguido salvar. Doeu muito, acreditem.

Ernesto contava aqueles episódios com o olhar fixo no lume que crepitava, de repente calou-se.

Foram alguns minutos. Depois olhou para os dois ouvintes, abanou a cabeça e comentou:

- Aquilo que eu vos irei pedir não será tarefa fácil e vocês correrão alguns riscos. Por isso eu faço questão de vos contar a história da matança na praça de touros de Badajoz. Depois me dirão.

- Eu sei que são homens, que já viveram as dores duma vida difícil e dura. Mas acreditem, não viram nada.

As tropas nacionalistas entraram em Badajoz, encerraram na praça de touros todos os habitantes que não tinham abandonado a cidade e chacinaram milhares de pessoas, homens, mulheres e crianças.

Entre as pessoas assassinadas naquela arena estava o meu amigo Dr. Gonzalez, a mulher e o filho mais velho, um jovem de quinze anos.

Ele que me tinha obrigado a regressar a Portugal, ficou. Pediu-me que se alguma coisa lhe acontecesse eu faria o possível por lhe salvar a família e, sabendo do meu interesse pela poesia ofereceu-me um livro de poemas de Federico Garcia Lorca. Não era um prémio, mas para mim, era mais do que isso.

Ernesto olhando para os dois irmãos e percebendo a inquietação e algumas lágrimas disse:

- Sim, é verdade, foi uma tragédia. Eu sei, eu vi, eu estive lá.

 

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário