O
MASSACRE
Tomei
uma decisão cujas consequências, de que não me arrependo, ainda hoje as sinto. Foi
uma decisão que tomei guiado, apenas, pela vontade de combater as tropas
nacionalistas que invadiam pelo sul da Espanha, matando, violando e
aterrorizando a população das vilas e mesmo das cidades. Eu ouvi relatos de
pessoas que conseguiram fugir dizendo que oficiais relatavam na rádio de
Sevilha as atrocidades que as suas tropas, mouras principalmente, haviam
cometido durante a noite e que iriam continuar a praticar enquanto houvesse
resistentes.
Juntei-lhe
a outros e, armados com as poucas armas que nos deram, marchamos na direção ao
sul, até encontrar terreno propício para emboscar os invasores. E foi na serra
morena que começamos a receber a tiro os soldados bem armados, com carros de
combate e metralhadoras. Passado o efeito surpresa tivemos de abandonar as
posições. Tivemos de retirar, deixando para trás os mortos, as ilusões, a dor e
a raiva e procurando salvar os feridos.
Eu
carreguei sobre os meus ombros um jovem ferido que levei nos meus ombros,
caminhando dia e noite por montes e carreiros desertos, procurando chegar à
cidade e pedir a ajuda do meu amigo médico.
Entrei
no consultório do médico e caí exausto. Mas foi depois que senti uma dor tão
intensa e que permanece até hoje da minha memória. O jovem acabara de morrer.
Tanto esforço e nem aquele jovem tinha
conseguido salvar. Doeu muito, acreditem.
Ernesto
contava aqueles episódios com o olhar fixo no lume que crepitava, de repente
calou-se.
Foram
alguns minutos. Depois olhou para os dois ouvintes, abanou a cabeça e comentou:
-
Aquilo que eu vos irei pedir não será tarefa fácil e vocês correrão alguns
riscos. Por isso eu faço questão de vos contar a história da matança na praça
de touros de Badajoz. Depois me dirão.
-
Eu sei que são homens, que já viveram as dores duma vida difícil e dura. Mas
acreditem, não viram nada.
As
tropas nacionalistas entraram em Badajoz, encerraram na praça de touros todos
os habitantes que não tinham abandonado a cidade e chacinaram milhares de
pessoas, homens, mulheres e crianças.
Entre
as pessoas assassinadas naquela arena estava o meu amigo Dr. Gonzalez, a mulher
e o filho mais velho, um jovem de quinze anos.
Ele
que me tinha obrigado a regressar a Portugal, ficou. Pediu-me que se alguma
coisa lhe acontecesse eu faria o possível por lhe salvar a família e, sabendo
do meu interesse pela poesia ofereceu-me um livro de poemas de Federico Garcia
Lorca. Não era um prémio, mas para mim, era mais do que isso.
Ernesto
olhando para os dois irmãos e percebendo a inquietação e algumas lágrimas
disse:
-
Sim, é verdade, foi uma tragédia. Eu sei, eu vi, eu estive lá.
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