EU
SEI, VI, ESTIVE LÁ
Percebo
o vosso pedido, mas acreditem, estou cansado.
É
tempo de descansar porque o que falta contar será como reviver os momentos de
dor, de voltar a ouvir os gritos de gente pedindo ajuda.
Sim
eu sei, chorei, prometi continuar a lutar, porque o que eu vi não se apagará
por muitos anos que viva.
Fugi
de Badajoz, corri para a fronteira na esperança de chegar a Portugal. Na minha
fuga encontrei um jovem miliciano espanhol ferido e abandonado numa valeta. Não hesitei,
abandonei a espingarda e quis levar o jovem para o hospital de Elvas.
Consegui-o mas, o enfermeiro que me ajudou, aconselhou-me que não ficasse por
ali. Sabe, disse ele, as autoridades do nosso País, têm por hábito verificar se
os nacionais que voltam, fugiram apenas com medo ou foram guerrilheiros que
regressaram. E para o saber usam uma estratégia bem simples. No seu caso,
obrigam-no a despir a camisa e se no ombro tiver marcas deixadas por uma
espingarda de assalto, é um comunista e será metido nos camiões de todos os
dias cruzam a fronteira, transportando munições e armas para os falangistas,
que navios alemães descarregam, algures, na enseada do rio Sado, e por lá os
deixarão ficar.
Sim,
dizem que Salazar não gosta de Franco mas, ainda gosta menos dos comunistas e
dos Portugueses que não o reconhecem com salvador da Pátria.
O
guerrilheiro ficou no hospital e eu tive que me esconder da Polícia. Foi uma
semana, voltei ao hospital e soube que o jovem tinha sido enviado para o
matadouro, quer dizer, para a praça de touros de Badajoz.
E
então uma força me vez voltar, na esperança de salvar os filhos do médico. Entrei
numa cidade quase deserta. Para me esconder, subi para a caixa de carga, duma
camioneta com as lonas fechadas. E logo me arrependi. Acabara de entrar no
inferno. A camioneta estava cheia de corpos das vítimas do massacre. Viajei
escondido entre os corpos dos mortos que seriam enterrados numa vala no meio do
campo. Quando o veículo parou, os soldados que iam na cabine, abriram a caixa e
começaram a despejar a carga para a vala. Também fui despejado, dei por mim no
meio de mortos, homens, mulheres e crianças. Consegui escalar a vala e fugir do
inferno, um dos soldados apontou a metralhadora e disparou na minha direção.
Continuei
fugindo esquecendo as dores e o sangue que me escorria pela perna. Passei a
fronteira, atravessando um ribeiro. Cheguei a terra, caí e fiquei estendido num
matagal. Sofri a dores físicas mas o que mais me doeu foi perceber que, afinal,
eu tinha fugido.
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