quinta-feira, 20 de outubro de 2016

FERIDAS


EU SEI, VI, ESTIVE LÁ

 

Percebo o vosso pedido, mas acreditem, estou cansado.

É tempo de descansar porque o que falta contar será como reviver os momentos de dor, de voltar a ouvir os gritos de gente pedindo ajuda.

Sim eu sei, chorei, prometi continuar a lutar, porque o que eu vi não se apagará por muitos anos que viva.

Fugi de Badajoz, corri para a fronteira na esperança de chegar a Portugal. Na minha fuga encontrei um jovem miliciano espanhol ferido e abandonado numa valeta. Não hesitei, abandonei a espingarda e quis levar o jovem para o hospital de Elvas. Consegui-o mas, o enfermeiro que me ajudou, aconselhou-me que não ficasse por ali. Sabe, disse ele, as autoridades do nosso País, têm por hábito verificar se os nacionais que voltam, fugiram apenas com medo ou foram guerrilheiros que regressaram. E para o saber usam uma estratégia bem simples. No seu caso, obrigam-no a despir a camisa e se no ombro tiver marcas deixadas por uma espingarda de assalto, é um comunista e será metido nos camiões de todos os dias cruzam a fronteira, transportando munições e armas para os falangistas, que navios alemães descarregam, algures, na enseada do rio Sado, e por lá os deixarão ficar.

Sim, dizem que Salazar não gosta de Franco mas, ainda gosta menos dos comunistas e dos Portugueses que não o reconhecem com salvador da Pátria.  

O guerrilheiro ficou no hospital e eu tive que me esconder da Polícia. Foi uma semana, voltei ao hospital e soube que o jovem tinha sido enviado para o matadouro, quer dizer, para a praça de touros de Badajoz.

E então uma força me vez voltar, na esperança de salvar os filhos do médico. Entrei numa cidade quase deserta. Para me esconder, subi para a caixa de carga, duma camioneta com as lonas fechadas. E logo me arrependi. Acabara de entrar no inferno. A camioneta estava cheia de corpos das vítimas do massacre. Viajei escondido entre os corpos dos mortos que seriam enterrados numa vala no meio do campo. Quando o veículo parou, os soldados que iam na cabine, abriram a caixa e começaram a despejar a carga para a vala. Também fui despejado, dei por mim no meio de mortos, homens, mulheres e crianças. Consegui escalar a vala e fugir do inferno, um dos soldados apontou a metralhadora e disparou na minha direção.

Continuei fugindo esquecendo as dores e o sangue que me escorria pela perna. Passei a fronteira, atravessando um ribeiro. Cheguei a terra, caí e fiquei estendido num matagal. Sofri a dores físicas mas o que mais me doeu foi perceber que, afinal, eu tinha fugido.

 


 

 

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