PORTUGAL
– A DITADURA DE SALAZAR
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O PINTOR
Numa
casa perdida entre oliveiras e sobreiros, longe dos caminhos os dois irmãos,
empurrados pela pobreza pela fome e tremendo de frio, bateram á porta de
fechada, com hesitação e algum receio.
Esperaram
minutos que lhes pareciam horas, olhando-se como quem hesita entre continuar ou
desistir.
Foi
então que, vindo das traseiras da casa, apareceu um homem de cabelos brancos,
andando com esforço e só possível porque caminhava apoiado em duas bengalas.
-
Olá, disse com voz rouca. Desculpem se esperaram muito tempo, mas eu não consigo
dormir e passo as noites num anexo das traseiras onde me sento recordando o meu
passado. Venham comigo, é mais confortável falar sentados à lareira e bebendo
uns golos da aguardente que amigos me deram.
Os
irmãos, candidatos à aventura, trocaram olhares e com um encolher de ombros lá
se sentaram nos bancos junto ao lume e aceitaram o copo com a aguardente.
A
bebida soube-lhe bem, e o calor até deu para se esquecerem do frio e da fome.
Passaram
alguns momentos em silêncio, até que o dono da casa levantou os lhos e lhes
disse:
-
Antes de vos falar da proposta que fiz, creio que ao mais novo de vocês,
gostava de fazer algumas perguntas. Por exemplo, vocês já ouviram falar de mim?
Já alguém vos disse a razão que levou um homem sem uma perna, ter aceitado
viver neste lugar esquecido?
-
Eu sei, diz Diogo, que o ano passado quando colhia azeitona por estes lados
alguém me disse que o senhor era um comunista fugido à Polícia e que não seria
bom ser visto por estes lados, não vá o diabo...
-
Sim é o que dizem de mim. E vocês, sabendo isso, aceitam fazer o trabalho que
eu vos possa vir a encomendar?
-
Acreditamos, diz o irmão mais novo, que não nos irá pedir para matar ou roubar
alguém, e porque a vida tem sido madrasta, aceitaremos correr riscos.
-
Muito bem, para fazerem o vosso próprio julgamento quero falar de mim,
contar-vos a minha vida.
Então
é assim:
Nasci
há cerca de cinquenta anos, numa aldeia ali para os lados de Elvas. O meu Pai
era professor e a minha mãe enfermeira. Tinham algumas posses e, filho único,
fui estudar na Universidade de Lisboa, para o curso de direito. Mas o meu
prazer era a pintura que foi a minha companheira até perceber que eu pintava e
estudava outros lutavam pela vida. E acabei por me deixar influenciar pelas
mudanças que se anunciavam e que prometiam uma sociedade nova.
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E o senhor só tem cinquenta anos? Pergunta Diogo, ninguém diria!
-
Sim, tem razão, as feridas no corpo e na alma, as perseguições, as desventuras,
a guerra, deixaram marcas de que os cabelos brancos são, apenas, um sinal. As
marcas reais, essas são bem mais profundas.
Agora
vão comer alguma coisa, pois a conversa pode ser longa. Ali em casa tenho pão,
enchidos, conservas, fruta e podem escolher. Vão, aqui está a chave, eu fico à
vossa espera.
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