sexta-feira, 8 de junho de 2012

SIMÃO & COMPANHIA


António Charrua
Nuvem Rosa
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
Portalegre/Portugal


8 – DEZ ANOS DEPOIS

Leonor chegou a casa, um pequeno apartamento que havia escolhido na cidade de Frederiksberg, na Dinamarca. Regressava no metro depois de uma noite de serviço no Hospital. Era uma viagem relativamente rápida e valia a pena, porque acabara por escolher viver numa área tranquila.
Aprendera a falar alemão e era fluente na língua inglesa. No Hospital não tinha sentido dificuldades, os colegas entendiam o alemão e ela foi, pouco a pouco, aprendendo a comunicar em dinamarquês.
Estudara Medicina em Lisboa, fez o internato e optou na especialização pela área das doenças oncológicas. Foram muitas horas de estudo, muita investigação e sobretudo aprender a gerir a sua sensibilidade e a sua resistência, para tratar com um sorriso uma doença portadora de uma carga psicológica muito grande.
Quis ir mais além no conhecimento e recebeu o convite para um estágio no Hospital Universitário de Copenhague. Hesitou mas os colegas incentivaram-na a aceitar. Era um Hospital de referência e seria uma experiência a não perder. Além do mais, diziam, ela falava fluentemente o inglês e também o alemão e não teria grandes dificuldades de adaptação.
Acabou por aceitar. O período de estágio era de dois anos, findos os quais ou regressaria a Portugal ou teria a possibilidade de se juntar ao corpo clínico daquele hospital e continuar a investigar a área que mais a fascinava, o sistema imunitário e os transplantes.
Vivia só, e aos vinte e nove anos de idade, não tinha vida própria. Os colegas, as respectivas famílias, foram sempre de uma grande simpatia. Mas era ela que evitava os convites para jantar ou para conviver. Sempre fora muito reservada e sentindo-se uma estranha ainda mais se fechara.
Regressar no fim do estágio? Chegou a pensar nessa alternativa, mas não decidira nada, perdera os Pais e a família ficara reduzida a primos e primas com quem nunca tivera grande convivência.
Naquela manhã estava cansada fisicamente mas a mente bem desperta e interrogava-se:
- É verdade que alcancei o meu objectivo, sou profissionalmente realizada mas terá valido a pena? Qual foi o preço que paguei? O que é que eu vivi?
Amores, sim de curta duração e que nunca passaram de aventuras passageiras. Nem me lembro e não foram assim tantos.
Sentiu um mal estar.
Decidiu que tomar um banho de imersão, com a água bem quente, naquela manhã de fim de inverno, frio e gelado, lhe faria bem.
 Enquanto a água quente corria, despediu-se e sem saber porquê olhou-se no espelho. Reparou que a sua figura não sofrera grandes alterações. Sempre fora magra, seios pequenos, cintura fina, pernas altas, corpo direito e tudo isso mantinha. Não sentia o peso da proximidade dos trinta anos.
Mas, aproximou-se mais, limpou o vapor que embaciara o espelho e concentrou-se no rosto. Bem perto, e lá estavam as rugas de expressão mas não só, uma boca de lábios cheios que os homens mais atrevidos lhe diziam, mereciam ser beijados e finalmente os olhos baços e tristes.
Nem se lembrava de última vez que beijara um homem com paixão, admitia que talvez nunca o tivesse feito. Tivera relações amorosas efémeras e sem que delas guardasse alguma recordação.
Meteu-se na banheira e uma lágrima correu pela face de uma mulher só. Fechou os olhos e, de repente, lembrou-se do amor de juventude.
Frederico fora aos dezassete anos o primeiro amor da sua vida. E fora um amor intensamente vivido. Fora o primeiro homem da sua vida, o único a quem se entregara de corpo e alma. Partilharam a vida durante quatro anos. Ela estava nos primeiros anos da Faculdade, Frederico estudava Direito. Ela era decidida, ele indeciso, ela via o caminho que queria seguir, ele andava perdido sem direcção.
Mas quando juntos, eram amizade, depois o amor e por fim uma paixão avassaladora.
 Que saudades do Frederico. Por onde andaria?
Recordava o último encontro. Frederico abandonara o curso e a casa de família. Não podia contar com mais ninguém, ela era a sua luz e o seu refúgio.
- Frederico procurou por mim e eu falhei. Estava cansada e não apercebi que ele precisava de ajuda. Frederico estava mergulhado na escuridão e desiludido partiu para não mais o ver.
A água estava a ficar fria. Saltou da banheira embrulhou-se na toalha e esteve na janela a espreitar a rua. Olhava as pessoas que passavam apressadas, na sua imaginação parecia-lhe ver a figura alta e magra, cabelo claro e olhos verdes, parecia ver Frederico. Seguia-lhe os passos até os perder de vista. E ficou chorando, relebrando o passado.
Logo que Frederico a deixou, naquela noite triste, ela acreditou que o acabara de o perder. O telemóvel estava desligado, recorreu aos amigos, ao grupo que Frederico juntara na casa da ribeira no verão do final de curso secundário. Só encontrou o endereço do Luís, o amigo mais próximo do Frederico e foi pedir ajuda.
Ainda agora lhe doía a expressão que vira na face do amigo. Não era capaz de a descrever e ficou com a sensação que ele ou não sabia, ou  o mais provável, não quisera dar-lhe notícias.
Ficou só, esperando um contacto, uma mensagem um e-mail, mas nada recebeu. Passaram cinco anos, ainda acreditava no futuro mas tanta coisa se passara no mundo mas na sua vida nada mudara. Estava só e à espera.
Uma dor profunda, uma recordação que não esmorecia mas que cada vez mais a via como uma utopia.
Será isto a saudade? Será este o meu fado, perguntou-se?

José Malhoa
Fado
Museu José Malhoa
Caldas da Rainha/Portugal

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