Costa Pinheiro
O POETA
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
Portalegre/Portugal
7 – DESAFIOS
Com movimentos algo nervosos, por caminhos de terra batida, tendo no horizonte a casa da ribeira, Simão conduzia a carrinha. Não queria perder o rumo e lembrava que numa curva acentuada iria encontrar um desvio para acesso à estrada principal, a estrada que o conduziria a Alijó.
Respirou fundo quando viu que estava no percurso certo. A casa ficava numa encosta alguns metros acima da estrada e distância para vila não seria superior a dez ou doze quilómetros.
Encontrou o acesso onde o Pai assinalara numa tabuleta Casa da Ribeira, estacionou, respirou fundo e virando-se para os amigos, exclamou, chegámos.
Os amigos começaram a descer da carrinha, deram uns passos para desentorpecer as pernas e retiraram as bagagens enquanto Simão abria a porta, ligava o quadro eléctrico e a torneira de água.
- Vá, entrem e vamos distribuir o alojamento e as tarefas individuais.
- A casa tem a sala comum, esta onde nos encontramos, tem mais um quarto anexo, dá para duas pessoas e quarto de banho; No primeiro andar tem três quartos de casal e mais uma casa de banho. A porta que está ali ao fundo da sala, perto da lareira dá para uma cave que funciona mais como adega.
Sejam bem-vindos a esta casa, que me trás tantas recordações. Estou convencido que irão gostar dos dias que aqui iremos passar. Mas confesso, olhando para a vossa cara vejo indiferença, fastio e desilusão.
Lamento que a ideia do Frederico, que vocês aceitaram e a que me liguei com entusiasmo, propondo ceder uma casa de férias da família, este casarão que parece não vos ter entusiasmado, tenha sido uma decisão irreflectida e pouco pensada. Mas como eu já vos disse esta manhã, regressar ao ponto de partida não me custará nada. Basta dizerem
Agora dou-vos tempo para reflectirem e tomarem uma decisão. Saliento duas ou três coisas que me parecem importantes:
- A casa que vos acolhe tem todas as condições para uma estadia agradável, mas tem um senão. Não haverá empregadas para fazer a cama, para fazer comida e para as limpezas. Nós somos sete, podemos cumprir essas tarefas, se decidirem ficar, mas só em trabalho de equipa.
Eu já escolhi o meu alojamento, é o quarto aqui em baixo, pois era o meu quarto em vida dos meus Avós. Esse não será para partilhar. Ficarei nele, revivendo as minhas recordações.
Agora pensem e digam qualquer coisa, nem que seja para eu me calar.
No grupo que partira unido, bem disposto, notavam-se agora alguns sinais de ruptura.
Olhava uns para os outros mas ninguém assumia que as palavras pouco felizes do dono da casa haviam causado surpresa e desconforto.
E foi uma rapariga a quebrar o silêncio.
Leonor:
- Parti da Lisboa com a perspectiva de uns dias de férias diferentes. Iríamos estar juntos, partilhando as nossas preocupações, os nossos anseios até as nossas certezas. É isso que tornariam mais fortes os laços de amizade, logo agora que deixaremos a idade da inocência, quando tudo era simples, e atingimos o tempo dos desafios, das desilusões, da fraqueza e, espero para todos ,o sucesso no caminho que escolherem percorrer.
Andámos perdidos mas chegamos a esta casa de portas abertas, onde podemos respirar o ar da montanha e beber a água fresca dos riachos e logo no primeiro dia paramos na porta com dúvidas sobre ficar ou partir.
Confesso que não percebo e digo-vos que esta insegurança me assusta. Já cheios de dúvidas no primeiro dia do resto das vossas vidas? Assim ,como é que vai ser o futuro?
Virando-se para Frederico, foi mais firme:
- Frederico, tu que sempre fosses o líder deste grupo, sem protagonismo é certo, deixando para outros essa função; Tu em que eu me habituei a ver o amigo com que podia contar, também hesitas?
Podia perceber as dúvidas se colocadas por outra pessoa mas de ti, esperava muito mais. E isso dói-me, acredita, estou a ser sincera.
Eu decidi ficar, farei o trabalho que for necessário, sem resmungos ou queixumes. Não tenho por hábito desistir e também, desta vez, não o farei!
Carlos Alberto que se havia afastado da polémica, como sempre fizera, alvitrou:
- Pode ser tarde, mas porque é que em vez de estarmos a discutir o assunto não o resolvemos de uma forma democrática. Proponho que se decida por voto secreto.
- Tinha que ser, nunca te ouvi dar uma opinião sobre nada, mas também sei que qualquer que seja a decisão dos presentes, tu estarás sempre hesitante entre o sim e o não, diz Luís manifestamente irritado.
- Eu sinto que o Simão ficou triste porque eu e o Frederico bebemos de mais a noite passada e ainda não recuperamos duma noite difícil. Mas a bebida foi o catalisador que soltou as nossas emoções. Hoje eu e o Frederico somos mais amigos, não temos segredos e esperava que todos pudessem dizer o mesmo. Simão, eu fico, por favor fica também e esquece a ideia descabida da votação. Afinal somos ou não capazes de enfrentar o nosso destino ou iremos sempre precisar que alguém decida por nós?
Mariana triste olhava para o irmão, fez-lhe uma carícia dizendo que também ela gostaria de ficar.
Carla, nunca ninguém a tinha ouvido comentar situações tão fúteis, era talvez mais fria e mais adulta, foi breve mas utilizou palavras duras:
- Afinal, melhor teria sido ir apanhar umas bebedeiras, fumar os charros, cometer toda a espécie de disparates e fingir que nos divertimos à brava. Porque é que não fomos para Ibiza ou para Lloret de Mar? Qualquer desses lugares, no meio de uma turba de jovens perdidos, não teria de enfrentar um dilema como aquele que aqui foi suscitado.
E eu que julgava que nas éramos amigos, adultos, com dúvidas, mas quem as não tem?
Afinal comportamo-nos com um grupo de adolescentes iguais a tantos outros.
E então vamos a votos se é assim que querem e não se esqueçam, oitos dias passam a correr e quando formos embora o grupo ficará ferido, hoje nesta casa, neste momento e nunca mais será o mesmo.
O silêncio alastrou pela casa como uma cortina de fumo. De repente Frederico saiu da sala, andou alguns metros pela rua e sentou-se num banco do pequeno jardim. Estava ausente, olhos fixos sem brilho e com um sabor amargo nos lábios. Nada dissera e nada lhe ocorria para dizer.
Leonor sentou-se ao lado e num gesto de ternura afagou a mão do companheiro.
- Frederico ao menos tu sabes que eu gosto de ti. Sempre gostei e gostarei. Acalento a esperança que o nosso caminho se cruze. Não te quero perder, tu és meu.
Vem para dentro, és o farol dos teus amigos perdidos numa pequena tormenta sem importância. Assume o que sempre foi o teu lugar. Todos esperam isso de ti.
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