Guilherme Camarinha
O trovador
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
Portalegre/Portugal
11 – DEZ ANOS DEPOIS – 4º. CAPÍTULO
Moscovo, coberta de neve apesar de se aproximar o fim do inverno russo. Um automóvel com motorista fardado parava à porta do centro comercial mais conhecido da cidade, frequentado pelos mais ricos, e há muitos naquela cidade, outrora tão austera. O adido comercial da Embaixada acompanhou Simão na sua primeira entrevista com um importador russo de renome. Vassily Orlov, empresário que controlava o comércio de artigos importados, desde os automóveis de luxo até aos bens alimentares, incluindo nessa categoria, os vinhos mais renomados.
Era um homem muito ocupado, dizia, pelo que raramente era visitado pelos exportadores desejosos de fazer negócio. Mas num dos seus escritórios, no piso superior daquele enorme centro comercial, com vistas desafogadas sobre a avenida e de frente para o palácio do Kremlin, mantinha um escritório vocacionado para a distribuição de bebidas para abastecimento das lojas de luxo ou até para as residências da nova aristocracia russa.
O representante tinha aceite receber o produtor de vinho, credenciado por ter ganho duas medalhas de ouro e uma de prata, em recentes feiras internacionais.
Simão levava para oferecer duas caixas com meia dúzia de garrafas da colheita premiada e assim desafiar o bom gosto do importador. Tal gesto foi recebido com gosto, tendo o representante garantido que a oferta seria entregue ao senhor Orlov, logo que ele regressasse duma deslocação para exames médicos, que devia fazer periódicamente, num hospital de referência no norte da Europa.
O espaço em que se encontravam, um escritório amplo e decorado de forma que mais parecia um salão dum palácio, tinha um recanto mobilado por poltronas e sofás de qualidade superior. Numa vitrina, copos de cristal brilhavam com a luz de um candelabro imperial.
Simão apresentou o seu produto, vinho branco e tinto, comercializado em garrafas numeradas de acordo com o ano da produção. Deixou um dossier com o catálogo, com preços e condições de venda.
O catálogo, bilingue, era preenchido por fotografias das vinhas do Douro e do Alentejo, onde concentrava a sua produção. Descrevia as castas utilizadas, e cada vinho era apresentado por um enólogo reconhecido, nacional e internacionalmente.
Nas páginas centrais, onde eram apresentados os vinhos premiados, cada garrafa era comentada e valorada por chefes de restaurantes laureados com estrelas Michelin.
O produto era de qualidade, Simão já ouvira isso muitas vezes, mas era preciso romper as barreiras dos afamados vinhos franceses. Para isso, optara por uma produção dirigida aos grandes apreciadores e, finalmente investira numa campanha de marketing estudada por especialistas. O catálogo e as garrafas de oferta eram exemplos de um trabalho profissional.
Terminada a apresentação, Simão recebeu os cumprimentos afáveis do director de compras que fez questão de salientar a qualidade da apresentação.
O produto era de qualidade, Simão já ouvira isso muitas vezes, mas era preciso romper as barreiras dos afamados vinhos franceses. Para isso, optara por uma produção dirigida aos grandes apreciadores e, finalmente investira numa campanha de marketing estudada por especialistas. O catálogo e as garrafas de oferta eram exemplos de um trabalho profissional.
Terminada a apresentação, Simão recebeu os cumprimentos afáveis do director de compras que fez questão de salientar a qualidade da apresentação.
O Dr. Alberto Freitas, adido comercial junto da Embaixada era um homem com grande experiência e muito considerado. Acompanhara Simão salientando que, para um produto ver reconhecida a sua qualidade tem de ser apresentado pelo produtor com orgulho.
- É natural, dizia ele, que o importador russo demore a decidir e não devemos pressionar. Dá mau aspecto.
O senhor apresentou não só um produto de qualidade como também algo que é muito importante. Fez com que as garrafas e as embalagens gourmet, tivessem classe e fossem por isso apelativas. Significa o bom gosto de quem mostra que está interessado em vender o seu produto, mas que não a qualquer um e a qualquer preço.
Estas pessoas com muito poder e muito dinheiro não gostam de ser confrontados com vulgares comerciantes. Admito que antes de lhe propor qualquer negócio ele se mostre interessado em conhecer os lugares da produção. Se assim for ficará conquistado.
Aprendi que um pouco de orgulho ajuda a vender um produto de qualidade. Não devemos nunca pressionar o comprador. A partir desta visita, quase de cortesia, aceite o meu conselho, regresse a Portugal e aguarde. Não se mostre nunca ansioso. Colherá os benefícios, vai ver meu caro amigo, concluiu o Adido Comercial, ao deixar Simão à porta do hotel. Que pena o senhor Embaixador estar fora, ele ficaria contente por o receber.
- Não faz mal, eu agradeço a sua ajuda, dê os meus cumprimentos ao senhor Embaixador mas por hoje ficarei no hotel. Compreenda estou cansado.
No dia seguinte seria a viagem de regresso. Muitas horas de avião, esperas em aeroportos, inspecção de bagagem e de documentos, etc. Voaria de Moscovo para Frankfurt e depois para Lisboa. Teria tempo para recuperar as emoções.
Sentou-se no cadeirão espreitando o anoitecer na cidade e um trânsito cada vez mais intenso. Já viajara por muitas cidades mas em nenhuma vira tanto tráfego de limusinas.
Nem em Nova Iorque ou nas cidades ricas dos Países do Golfo. Se o meu Avô fosse vivo e eu lhe contasse, nem acreditaria.
Chegou a Lisboa era já noite, não passou pelo escritório e tomou um táxi directamente para casa.
Morava numa moradia germinada em Oeiras, com Luísa a mulher, que abandonara a sua actividade profissional como designer, para se dedicar aos dois filhos do casal. Uma menina, Ana com quatro anos e o André, que iria fazer dois anos pelo natal.
Os vizinhos eram os sogros, não só davam apoio ao cuidarem dos netos como estavam sempre presentes enquanto ele viajava.
Por sua vez os Pais mantinham a casa de Cascais. Era naquele ambiente entre pessoas que se conheciam desde sempre que a Mãe se sentia bem. Contudo o Pai aproveitava todo o tempo livre para se deslocar para a quinta do douro acompanhando o enólogo na análise e controlo da qualidade do vinho por engarrafar.
A irmã, o membro mais novo do grupo de amigos que se tinham perdido depois das férias de fim de ano lectivo, agora com vinte e quatro anos de idade, vivia em Londres onde frequentara uma escola de música e de dança.
Esporádicamente visitava a família, mas sempre por pouco tempo. Estava sempre na expectativa de receber um convite para integrar um espectáculo musical. Fizera tantos castings que, reconhecendo haver muita concorrência, já conseguira alguns trabalhos, pequenas participações mas que ainda assim lhe deram confiança e prazer.
Simão que sempre se sentira como o protector da irmã, fazia pressão para que ela regressasse, dizendo-lhe precisar de ajuda. Mas Mariana recusou sempre e cada vez mais ia rareando as suas visitas.
Aproveitava para ver e falar com a família e as crianças utilizando os meios informáticos, o computador ou o telemóvel última geração. Eram sempre conversas curtas e coincidência ou talvez não, o contacto era durante o dia, altura em que Simão estava no escritório.
Simão sentia saudades da irmã mas as suas viagens de negócio raramente passavam por Londres. Recordava que, apenas por uma vez utilizara o aeroporto de Gatwick para uma viajem ao Dubai, mas só conseguira ver Mariana por breves instantes.
Simão iria passar a noite em Londres, o voo para o golfo seria pela manhã e por isso esperava jantar com a irmã. Não deu certo, Mariana tinha uma pequena participação num musical em cena, que lhe ocupava quase todo o dia.
Ficou triste, estivera alguns anos sem ver a irmã e como ela mudara. A rapariga que o acompanhara nas festas, a companheira e confidente, tornara-se numa mulher linda mas, parecia-lhe um pouco misteriosa, como se quisesse guardar algum segredo. Algum namorado que ainda não quis apresentar à família. Espero que ela saiba o que faz.
Á noite, contou a Luísa o seu encontro em Paris com uma das amigas da sua juventude. Fora uma surpresa encontrar um dos membros do grupo que se perdera. Dez anos depois, podes imaginar?
Luísa ouviu com atenção e confessou que nunca percebera porque ele não procurara os companheiros.
-Agora já tens o contacto com a Carla que vive em Paris a tua irmã está em Londres e quem está naquela cidade está mais perto do se passa no mundo, podem ajudar-te na tua procura. E não foi em Lisboa que vocês estudaram, fizeram amizade e se conheceram? Então perde um pouco do teu tempo e tenta também. Se encontrarem mais um, esse pode saber de outro e podes juntar de novo o bando.
- Mas atenção alguma coisa pode ter corrido mal a alguém. Tens que te convencer disso. Mas era giro que passados mais de dez anos se encontrassem e revivessem as vossas aventuras. Mas se o fizerem devem ser só vocês, os sete da vida airada, nem mulheres, nem maridos nem filhos, apenas o grupo que se afastou quando abandonou a adolescência e despertou para a vida.
- Tens razão, diz Simão, logo que tiver um pouco mais de disponibilidade vou tentar encontrar a agenda com os contactos que eu tinha.
Era sábado, ficou na cama até mais tarde. Luísa entrou no quarto, os miúdos ficaram a espreitar na porta e acordou Simão entregando o telefone:
- O teu Pai quer falar contigo, atendes?
- Sim vou atender.
O Pai estava excitado, dizia-lhe ter uma novidade para dar. Simão aguardou com alguma impaciência que o Pai, depois de falar da vinha e do vinho, contasse a novidade.
O Pai estava excitado, dizia-lhe ter uma novidade para dar. Simão aguardou com alguma impaciência que o Pai, depois de falar da vinha e do vinho, contasse a novidade.
- Simão, ainda te lembras dum antigo colega e amigo daquele grupo maluco que andava sempre junto?
- Pai estás a falar de quem, do Frederico?
- Não, o nome é Carlos Alberto passou pelo quinta porque, nem imaginas como ele te localizou. No jantar de despedida quando acabou o curso no MIT nos EUA, foi-lhe servido o nosso vinho e ele lembrou-se da Casa da Ribeira e de ti. E veio até à quinta à tua procura. Lembras-te dele?
-Sim claro era o maluco da matemática e teve alguns momentos menos felizes. Mas no fundo era bom rapaz, fazia-se de forte mas era só aparência.
- Ele deixou o contacto eu dei-lhe o teu telemóvel para vocês se encontrarem. O rapaz vai trabalhar no CERN em Genebra e olha que aquele centro é só para físicos de topo.
Simão desligou, respirou fundo perante as surpresas que a vida reserva. Quem havia de dizer, o vinho fora o catalisador do reencontro de dois amigos de que não sabia há mais de dez anos.
Primeiro encontrara a Carla, agora aparecia o Carlos. Assim somos já quatro, tenho que completar o grupo das sete maravilhas. Falta encontrar o Luís, a Leonor e o Frederico, que reconhecia, foram aqueles de quem se sentira sempre mais próximo, mas também seria daquele grupo o risco de encontrar alguma surpresa.
Oxalá me engane.
AMADEO DE SOUZA-CARDOSO
Tela sem título
Museu Arte Moderna
Fundação Calouste Gulbenkian
Lisboa/Portugal
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