Cruzeiro Seixas
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
Portalegre/Portugal
10 – DEZ ANOS DEPOIS – 3º. CAPÍTULO
O grupo que se juntara na despedida da adolescência, naqueles dias passados no campo, longe das luzes da cidade e dos seus desafios, não soubera gerir as sensibilidades de cada um, as diferenças, até ciúme e acabaram por destruir a unidade.
Não teria que ser assim, mas os sinais, os silêncios, o fastio eram o prenúncio do que iria acontecer. Cada um seguiria o caminho, encontraria novos amigos, novos interesses e o grupo ficaria no esquecimento.
E Carla relembrava aqueles dias passados na casa da ribeira. Ela tinha avisado do risco de desagregação, mas o conflito de personalidades, tinha feito o resto. O grupo acabou quando cumpriu sem alegria a semana das festas de despedida. Festa, lembrava ela, festa houvera pouca. O grupo que saíra de Lisboa chegou à casa de férias, na encosta duma serra sobranceira ao rio Douro, bem no coração de Trás-os-Montes, perdera o sentido da camaradagem, da amizade e nunca mais o recuperou.
A vida é pródiga em desencontros, mas as razões que tinham conduzido ao desfecho, eram tão fúteis que nem dava para compreender. Afinal, talvez não fossemos tão amigos como pensávamos.
Assim, cada um terá seguido o seu caminho e sei lá por onde andarão?
O Frederico, rapaz bonito, triste, inteligente e desconcertante, fora a argamassa que criara o grupo e também a razão do seu fim. Fora objecto de paixões juvenis mas nunca se deixara prender. Era um pássaro livre e vivia a vida como um sonho; Luís companheiro que sabia ouvir, valente e disponível; Leonor, olhos verdes de feiticeira, que pareciam brilhar com mais luz sempre que olhava para Frederico; Carlos, raciocínio frio de matemático ou apenas um jovem com medo da vida e amargurado por um amor não correspondido; Simão, mais adulto e com um espírito jovial para quem os amigos eram amigos de verdade e nunca nele se pressentira vontade e feitio para liderar e a seu lado, a irmã, a ingénua Mariana, um espírito romântico e sonhador, típico da idade.
E eu, que sempre me escondi detrás dos óculos e nunca me expus! Todavia, reconheço, também eu vivi uma paixão solitária. E como todas as raparigas, pelo Frederico!
Lembro-me de todos, já passaram dez anos, mas ao recordar o grupo da Casa da Ribeira uma imagem prevalece. Dizem que o primeiro amor, mesmo da juventude, nunca esquece. E a imagem mais forte é a desse primeiro amor, Frederico.
Enquanto revia o grupo e na sua mente passavam, fugazes, as figuras dos companheiros, continuava sentada na secretária do escritório da sua casa nos arredores de Paris, tenho na frente o ecrã vazio do computador. Não escrevera nada desde que a sua memória a arrastara para o passado, dez anos atrás.
Trabalhava como tradutora de Francês e Alemão, tinha como clientes principais organizações internacionais de índole diversa, desde análises económicas, trabalhos científicos na área da investigação, etc. Era um trabalho que lhe dava prazer, que realizava em casa, sem a obrigatoriedade dos horários. Geria o seu tempo, gozando a quietude de uma casa que decorara a seu gosto.
Era casada e feliz. Conhecera Francisco quando completava os seus conhecimentos da língua francesa, e acompanhou-o quando ele, economista por formação, foi admitido como técnico da OCDE.
Francisco, alguns anos mais velho, saíra sem drama de um processo de divórcio. Confessara que o seu casamento fora um erro, de que ele fora responsável.
Laura, a ex-mulher, tinha projectos de vida não compatíveis com a sua vida profissional e ele demorara a reconhecer uma evidência. Laura, um rosto tranquilo que o fascinara era uma mulher muito ligada ao ambiente familiar em que fora criada.
Era talvez ingénua e casou com ele, contra a vontade da família, apenas para esconder um segredo. Ficara grávida e assumir esse facto fora do casamento religioso seria um tremendo golpe nas convicções da família.
O casamento foi para ela não um acto de amor mas um sacrifício a que se dispusera. Nasceram gémeos e durante oito anos Francisco e Laura foram escondendo o seu progressivo afastamento. Mas quando Francisco recebeu a oferta para trabalhar na OCDE e o seu primeiro posto seria num País da África subsariana, foi o fim. Separaram-se, continuaram ligados pelos filhos e tinham uma relação civilizada, como ele gostava de dizer.
Carla gostava de passar férias em Portugal. Tinha a casa dos Pais em Lisboa, tinha irmãos e Francisco aproveitava para desfrutar durante quinze dias do prazer da companhia dos filhos. Carla também gostava de estar com os miúdos, agora já com onze anos de idade.
Estava a rebobinar parte da sua vida, olhava para o ecrã em branco do computador e nem se apercebeu que Francisco já chegara.
Era sexta-feira, habitualmente gostavam de sair para jantar ou tomar um copo com amigos, mas naquele dia deixara-se levar pelas recordações e não estava preparada.
Deu um beijo rápido no companheiro, estendeu-lhe um exemplar do jornal que havia comprado e prometeu que seria só o tempo de mudar de roupa, não iria demorar.
Mas apesar da sua boa vontade sempre demorou mais de meia hora. Quando regressou à sala Francisco dormitava recostado no sofá.
O companheiro acordou e olhando para o relógio, estavam atrasados e era preciso sair rápido, vamos apanhar muito trânsito.
Enquanto tirava o carro da garagem, Francisco pediu à Carla para dizer à Júlia ou ao Bernardo que iriam chegar um pouco atrasados, mas para lhe reservarem mesa.
Francisco guiava algo nervoso, fugindo ao trânsito mas não dissera o destino. Finalmente encontraram uma avenida mais tranquila e Francisco achou estranho o silêncio de Carla, perguntando o porquê?
- Carla encolheu os ombros, recordações, dei por mim a recordar tempos antigos.
- Para curar as saudades nada melhor que jantar num restaurante Português. O Bernardo já conhecia e sugeriu o Quinta do Galo. É um pouco fora de mão mas já não demorara, acrescentou Francisco.
Chegaram com vinte minutos de atraso, tinham o lugar reservado, sentaram-se e Carla olhando para o vizinho do lado, sentiu que conhecia aquele rosto. Um rosto alegre, o cabelo a ficar grisalho nas têmporas, mas o riso confirmou a sua suspeita.
Tocou-lhe no braço e sorriu, o companheiro do lado levantou-se e com tanta alegria que entornou o vinho por sobre a mesa.
- Carla como é que tu vieste aqui parar?
- Carla como é que tu vieste aqui parar?
- Simão, sim era ele o vizinho que o destino colocara a seu lado. Ainda hoje me lembrei do nosso grupo e as férias atribuladas na tua casa da ribeira.
- É a vida reserva-nos muitas surpresas. Fui eu, disse Simão, que desafiei o Bernardo para juntar um grupo de amigos para o jantar neste restaurante. É que vim apresentar o melhor vinho do mundo. O vinho tinto do Douro, Casa da Ribeira e repara no rótulo, engarrafado por Simão & Companhia.
E um abraço retardado de dez longos anos selou aquele encontro. O primeiro do grupo.
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