quinta-feira, 21 de junho de 2012

SIMÃO & COMPANHIA


Danielle Moser
Ozoud
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
Portalegre/Portugal


12 – DEZ ANOS DEPOIS – 5º CAPÍTULO

Simão passara o fim de semana, brincando com os filhos, conversando com a mulher e quase esquecera o telefonema do Pai relatando a visita do Carlos.
Mas algo lhe tocara. Estava sentado na sala, olhando para o pôr-do-sol que espreitava por entre as nuvens no horizonte. A vida tinha sido generosa. Dera-lhe uma família unida, dera-lhe o sabor da terra e o odor das flores e a luz do sol iluminando os socalcos da serra e acariciando as águas azuis do rio, que serpenteava entre as colinas, dera-lhe a imensidão da paisagem do Alentejo, a calma das horas mortas e a tranquilidade dos  horizontes sem fim.
Não escondia, era um homem realizado.
Mas naquele momento estava longe, voltara muitos anos atrás e recordava os tempos da juventude inquieta, os amigos, com os seus receios e os seus desafios. Afinal ele era mais velho, vivia a vida com a sabedoria dos camponeses com quem crescera, era um marco de estabilidade num grupo muito influenciado pelos sinais do tempo.
Nunca mudara o seu comportamento plácido e sereno. Fizera bem, era um homem feliz.
Sentada a seu lado, Luísa folheava as páginas de um livro. Olhava com atenção para o marido, não era habitual aquele estado de distância. Simão estava ausente e isso deixou-a preocupada.
Resolveu quebrar a nuvem que o isolara, perguntando:
- Afinal ainda não me contaste a razão porque, ontem o teu Pai tinha tanta urgência em falar contigo! Alguma coisa corre mal e que eu possa ajudar?
-Não, que ideia desculpa mas esqueci-me. Ontem o meu Pai foi contactado por um dos amigos do grupo de que perdera o rasto.
Ficaste surpreendido ou desagradado, pergunta Luísa?
- Fiquei feliz. O Carlos foi estudar para o Porto, formou-se, fez um doutoramento nos EUA, e no jantar de despedida foi-lhe servido o nosso vinho. Ele lembrou-se e no regresso e foi à Casa da Ribeira, e lá encontrou o meu Pai.
Mais um que escolheu e percorreu o caminho correcto. Teve dúvidas, quem as não teve, mas agora vai trabalhar no CERN em Genebra.
- Mas o Carlos não era aquele amigo que te conseguia fazer perder a paciência?
- Sim era, mas aquilo era tudo encenação. Ele era muito tímido mas andava perdido de amores pela Leonor que por sua vez não lhe dava atenção.
- Nunca me contaste esses amores. Também tu fazias olhinhos à Leonor? Não me admira, nunca me falaste dela!
- Uma cena de ciúmes era tudo o que eu não estava à espera. Mas não tens razão, Leonor foi um relâmpago que iluminou alguns dos rapazes, mas da realidade ela só tinha olhos e sorrisos para o Frederico. Não deve ter tido sorte, o Frederico era como a estrela que brilha ou se apaga na noite escura. Era tão livre que não conhecia limites para os seus sonhos. Quando se vive num mundo diferente é difícil compreender e aceitar. Frederico na minha opinião era um poeta e um visionário cercado por uma imensa solidão.
- Desculpa mas não percebo como de um momento para o outro dei contigo a vaguear nas nuvens à procura de quê? Sempre te conheci com os pés bem assentes na terra, por isso estranhei e, para ser franca, fiquei preocupada.
- Tens razão hoje senti-me a voltar aos anos da juventude. Houve qualquer coisa que me perturbou. Eu não acredito do destino, mas repara bem, numa semana encontro a Carla e o Carlos e a luz que nos juntou foi o brilho, o odor do vinho, do nosso vinho. Não achas estranho? Parece que há uma força que, dez anos depois, teima em nos juntar. Que força será essa?
- Talvez seja por aí que deves começar. Tens uma página na internet de muito bom gosto. O quadro da Casa da Ribeira que ilustre o rótulo das garrafas está muito bom e as informações também. Vê com o teu homem do marketing, como podem escolher um vinho como o elixir do amor, ou da amizade ou do reencontro. Não sei como, mas porque não uma imagem, mesmo desenhada do grupo dos sete? A informação viaja mais depressa do que nunca.
- Até podes ter razão mas eu não quero misturar um negócio com sonhos de adolescentes que se desencontraram.
Sem nada fazer encontrei dois, se conseguir entrar em contacto com o Luís ele saberá certamente como encontrar o Frederico e depois a Leonor.
Quando tiver um pouco de tempo procurarei nos meus cadernos do liceu que ainda guardo encaixotados na arrecadação. Quem sabe encontro a lista dos amigos com o nome completo, morada e telefone.
Se nada conseguir, olha ficarei esperando que o vinho cumpra a sua missão e faça magia.
Mas por hoje chega, amanhã é dia de trabalho, estarei muito ocupado, é altura de analisar as contas do trimestre. Também a Maria Antónia já deve poder apresentar o projecto de investimento para a nova unidade no Alto Alentejo. Tenho muita fé na ideia, mas as contas não se guiam por ideias mas pela análise custos/benefícios.
- Eu não sou economista, esse não é o meu mundo, mas crescer sem investimento na qualidade não valerá a pena, só irás arranjar dores de cabeça e prejudicar o que de bom já conseguiste. O meu Pai pode dar-te uma ajuda. Ele não se quer imiscuir, mas tem conhecimentos e bom senso, o que ainda é mais importante.
- Já tinha pensado nisso para me ajudar a ver os detalhes das propostas, que recebemos em resposta ao caderno de encargos.
Simão regressou ao escritório e levou com ele o sogro e o seu bom senso. Corria o risco de desagradar ao Pai, precisava de encontrar forma de o associar à decisão. O Pai era sobretudo entusiasmo e tinha um feitio desafiante.
Enquanto conduzia na fila interminável da auto estrada com direcção a Lisboa, foi congeminando a forma de levar o Pai e o Sogro a tomarem uma atitude conjunta e partilhada. Era o caminho a seguir. Ele daria apenas seguimento à decisão dos dois familiares.
Demorou algum tempo até concluírem a análise das propostas. O tempo começava a ficar curto pois queria ter as instalações prontas a tempo da próxima vindima.
Não conseguiu acompanhar a escolha até final, dera o seu parecer mas não o discutira. Porque, entretanto o importador russo mandara, via correio electrónico, uma mensagem mostrando o seu interesse em se deslocar a Portugal, sugerindo mesmo uma data. Faltavam menos de quinze dias.
Simão ficou preocupado, aquela visita era o resultado do investimento que fizera para entrar no mercado russo, com vinhos de qualidade superior mas que não tinham o peso das grandes marcas francesas.
Se o importador russo aceitasse comprar ele tinha a certeza do sucesso. Precisava de preparar a visita e isso deu-lhe a oportunidade de deixar ao critério do Pai e do Sogro a decisão de adjudicação do contrato para a concretização do novo investimento. Ele apenas estaria presente na assinatura.
 E fora uma decisão acertada. Os dois estiveram de acordo tendo ficado agradávelmente surpreendidos com a qualidade da proposta e com a transparência e o rigor do gerente da firma. 
No dia combinado os dois representantes da firma concorrente, foram recebidos pela secretária e acompanhados à sala de reuniões.
Enquanto aguardavam a chegada dos donos da obra, um homem ainda jovem apesar dos cabelos grisalhos, levantou-se da mesa e parou, olhando fixamente para um quadro exposto da sala. Sorriu e foi-se sentar.
Simão e os dois assessores deram então entrada na sala, cumprimentaram-se e a Secretária entregou a um dos presentes um exemplar do contrato para ser lido e assinado entre as partes. Mas um dos visitantes não pegou sequer no dossier.Levantou-se, pediu desculpa por interromper aquele momento e surpreendeu os presentes:
- Antes de assinarem o contrato quero roubar um pouco do vosso tempo. Virando-se para a cabeceira da mesa, o lugar de Simão, continuou:
- Quero contar uma história e peço apenas alguns minutos da vossa atenção:
- A história começou à muitos anos, quando um grupo de jovens estudantes criou um grupo ligado por laços de amizade. Éramos um grupo de sete amigos. Mais de dez anos atrás, eu e todo o grupo estivemos naquela casa da fotografia. Era a festa de despedida do curso liceal. Não correu bem, a semana de férias terminou e cada um seguiu o seu caminho, esquecendo a amizade que os unira. Alguns conheciam o caminho, outros continuavam cheios de dúvidas. Mas foi assim, friamente, que cada um partiu, uns mais depressa outros mais devagar, alguns com tropeções outros mais decididos, alguns temendo o futuro outros já sem esperança  Eu era um desses e o meu futuro foi guiado pela realidade.  Mas, apesar das diferenças e  antes daquele fim de semana, éramos amigos
E hoje, dez anos depois, aquele quadro com a fotografia da Casa da Ribeira despertou as minhas memórias. Eu pergunto-me, será que tantos anos passados ainda conservamos a amizade do grupo Simão e Companhia?
Eu sou o Luís Ribeiro, não me perdi nos caminhos da vida, apenas desci à terra e abracei o trabalho para meu bem e da minha família. Mas sinto de todos, mas de todos, uma imensa saudade.
Simão com a voz embargada pela comoção murmurou:
- Obrigado Luís,  este é mais um dia que não vou esquecer. 

 Abel Manta
Praça Camões - Lisboa
Museu do Chiado
Lisboa/Portugal

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