ENCONTRO IMPREVISTO
A vida era fardo que Artur carregava. Chegava a casa, depois de passar pela escola e pelo infantário e aqueles momentos em que ouvia os filhos falar da escola, dos amigos, das birras eram a alegria que lhe restava. Depois era fazer companhia à mulher que fazia assinaláveis progressos de recuperação. Ouvia-a contar o seu esforço a coragem com que enfrentava o duro caminho, os olhos brilhando de esperança, promessas de amanhãs felizes. Mas Artur já não era o mesmo. Mudara, passara a ser disponível, interessado, mas ficava cada vez mais longe da Maria da Graça. Ouvia, fazia-lhe uma carícia mas nunca tentara ir além disso.
Maria da Graça tentava a sedução, por gestos e por palavras, mas Artur fazia por não perceber.
Uma noite de verão, ela expôs a sua nudez, afastando o lençol e arfando de desejo confessou:
- Artur eu luto para voltar a ser a mulher que um dia de conquistou. Luto com todas as forças. Fecha os olhos, esquece que eu estou há meses presa a um destino cruel e vem fazer amor comigo. Eu darei tudo para que não te sintas como fazendo um favor. Tu gostas de mim, sempre mo disseste e no fundo do teu coração ainda deve restar uma réstia da paixão que nos uniu. É em nome dessa paixão que eu te peço. Toma-me, dá-me amor, apaga o fogo que arde no meu corpo.
Artur ficou parado, olhando para o corpo que se lhe oferecia. Maria da Graça cerrou os olhos, a reacção do marido fora um golpe inesperado. Ela conhecera bem Artur, sabia como ele reagia. Mas assim não, cometera um erro, reconheceu. Mas continuou:
- Eu reconheço que tu me tens dado o teu amparo, o teu braço a tua mão mas por qualquer razão que não entendo o teu coração está longe. Contudo nunca te pedi nada. Dói-me, acredita que me dói mendigar um pouco de paixão.
Mas nas longas noites de insónia em que choro a vida que quase perdi, dou por mim a pensar no meu egoísmo. E sinto que não posso mais ser um estorvo, um obstáculo na tua vida.
Tu já não me queres, e eu com mágoa aceito dar-te a tua liberdade.
Encontra outra mulher que te possa dar a felicidade que mereces, eu ficarei aqui, lutando e gritando por cada centímetro que ultrapasso. A Fernanda aceita viver aqui em casa, os miúdos também gostam dela e tu serás uma visita sempre bem-vinda.
Foi um momento de silêncio, Artur não sabia o que dizer. Olhou para a mulher, respirou fundo e respondeu:
- Na verdade o teu acidente foi doloroso, para todos nesta família. Não quero ser hipócrita, eu sofri e continuo a sofrer por ti, ou por mim? Já nem sei. Mas uma coisa aconteceu. Naquela noite em que estive na sala de espera do Hospital aguardando a opinião os médicos, naquela noite negra e fria eu encontrei o Artur que não conhecia.
E acredita, ainda hoje aquele encontro imprevisto, no qual a realidade foi mais forte que a utopia, não sei se o Artur que tu conheceste era melhor ou pior daquele que aqui está ao teu lado. Mas diferente, isso é verdade.
Eu apaixonei-me pela Maria da Graça que conheci, numa tarde quase noite, só numa paragem do autocarro, abrigada da chuva e tremendo com os trovões e com a luz dos relâmpagos.
Eu era jovem inexperiente e pouco ousado. Mas deixei-me prender nos teus olhos que mostravam medo e ao mesmo tempo me desafiavam. E apaixonei-me.
Tu foste a primeira e única mulher da minha vida.
Mas naquela noite escura e fria no hospital, eu olhei para um espelho e tremi. Naquele momento de ansiedade sentia que a minha vida nunca mais seria a mesma, e afinal o Artur jovem alegre e ingénuo da paragem do autocarro desaparecera e era agora um homem triste e vencido.
Envelheci dez anos naquelas horas difíceis. Dez anos em que não vivi.
Sabes qual o maior medo deste tempo de provações? É que tenha perdido o gosto de amar. De amar uma mulher. De me dar sem reservas e partilhar o amor. E esse medo tolheu-me os passos e nunca mais me deixou em paz.
O Artur que tu conheceste estaria nos teus braços, desafiando as dores e as angústias. Mas o Artur de hoje é mais frio, tem medo, tem dúvidas e anda perdido pela vida.
Aproximou-se da mulher, ajeitou-lhe a roupa, limpou-lhe as lágrimas que ela não conseguira suster, fez uma carícia e uma promessa:
- Dá-me algum tempo, sou eu que preciso de ajuda para ultrapassar estes momentos.
O Artur de antigamente já não existe, hoje é preciso dar sentido ao homem em que ele se transformou.
Tu não mereces fingimento e eu não me posso dar. Há qualquer coisa que me atormenta e me consome. Não é uma questão física tua ou minha, é uma falha, mais uma fenda, que ameaça destruir o meu pensamento. O meu coração está frio, bate cada vez mais devagar.
HENRI MATISSE
Odalisque
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