SEIS MESES DEPOIS
A recuperação da Maria da Graça foi lenta.
Não fora apenas uma vértebra deslocada, também sofrera um deslocamento da coluna que poderia evoluir para uma situação de invalidez total.
Esteve durante dois meses internada no hospital. Foi a seu pedido que o médico assistente lhe deu alta.
Antes, recebeu Artur do seu gabinete e recomendou:
- A sua mulher quer sair do hospital e eu também reconheço que o que aqui lhe é feito pode resultar melhor no ambiente familiar. Lembre-se, ela não poderá fazer esforços, terá de lhe preparar uma cama articulada, eventualmente uma cadeira de rodas e um tapete apoiado por dois corrimãos, para que um dia ela possa caminhar, passo a passo, mas só com ajuda de um especialista.
A sua mulher fala e entende, está portanto consciente do seu estado mas precisa de muito carinho, muita ajuda e ficar em casa, com o marido e os filhos poderá ser um passo importante para o caminho que ela vai ter de percorrer.
Mais ou tão importante como as massagens, os exercícios que o especialista lhe irá doseando, será a sua vontade de lutar.
Um passo na sua direcção e na dos filhos, serão o objectivo que ela terá que alcançar. Mas não se iluda, pode conseguir depois de muito trabalho mas se ela não acreditar, a sua situação será irreversível e acabará por morrer, definhando numa cama, como se fosse o seu suplício.
Sei que para o senhor será uma tarefa nada fácil, vai exigir muito de si, quer em termos psicológicos quer em termos financeiros, mas se algum momento sentir desgosto ou compaixão, esconda esses sentimentos por detrás de um sorriso de encorajamento. Pode acontecer que um dia tenha vontade de desistir. Mas lembre-se, quem mais sofrerá serão os seus filhos. Mas a pessoa com a vida condenada será a sua mulher.
Artur ouviu as palavras duras do médico. Já tinha recorrido a um centro de reabilitação que lhe recomendou o equipamento necessário.
Contratou o apoio técnico para duas sessões semanais de recuperação, o período aconselhável e colocou um anúncio para a escolha de uma mulher disponível para o apoio domiciliário.
Refizera a decoração da casa, mais espaço livre para a Maria da Graça poder circular com uma cadeira de rodas, mandou refazer o quarto de banho, eliminando as barreiras e com a ajuda da filha Joana e da cunhada conseguira que o quarto perdesse o aspecto de enfermaria e fizesse sobressair a luz, o sol e a tranquilidade das paredes onde o motivo principal eram quadros com flores e fotografias da família.
Quisera que Maria de Graça sentisse a sua vinda como a volta ao lar. Gastou as suas economias e aprendeu a gerir os seus recursos. Trabalhava com mais afinco, era a sua maneira de esquecer a dor daqueles meses.
A mulher que contratara, uma mulher ainda jovem, bem disposta e desinibida, assumiu as tarefas com alegria, contagiando a doente e as crianças. Era ele que se encarregava de levar e ir buscar os filhos. Chegava exausto do trabalho, fazia companhia à mulher, falando do seu dia, das suas vitórias, dos seus sucessos. Lembrava-lhe os anos de namoro, o casamento, o nascimento dos filhos. Fazia rir com pequenos episódios, porventura já esquecidos.
Mas nunca falou do acidente, queria esquecer as dúvidas que o mortificavam.
Mas de noite, dormindo numa cama de solteiro no canto do quarto a dúvida feria-o profundamente. Era uma dor estranha, um ácido que lhe corroía a mente. E então, no silêncio da noite, deixava que as lágrimas lhe lavassem a alma.
Fernanda a cunhada era uma ajuda indispensável, sempre que ele tinha de se ausentar do País. Chegou a pensar pedir escusa mas apercebeu-se que isso poderia significar a perda de confiança dos patrões e consequentemente de vencimento. Não, não se podia dar ao luxo de recusar um projecto ou uma responsabilidade. Aquela estrutura familiar assentava unicamente nos seus ganhos.
Mas sempre que olhava para os olhos da cunhada sentia a impressão já antiga. A cunhada sabia o que se teria passado e escondera.
E o coração batia apressado como se estivesse a ser pisado pelos os cascos de um cavaleiro à desfilada.
GUSTAV KLIMT
Gold Cavalier
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