domingo, 14 de agosto de 2016

A VADA EM CONTRAMÃO


SOLIDÃO

E António sofrera.

A dor da ausência da ternura dos braços de Marjorie, e como recordava, com uma lágrima furtiva, as noites loucas de paixão.

Tudo se esfumara e ele fora o culpado.

Tinha-se entregue ao trabalho vivendo o dia-a-dia com a intensidade que o fez esquecer que a mulher com quem partilhara os melhores anos da sua vida, se cansara e partira.

Não queria acreditar que as juras de amor que haviam trocado, se tinham perdido no quotidiano da sua vida profissional.

Foram tempos difíceis que António foi enfrentado com a embriaguez do seu trabalho.

Tentou o contacto com a revista para onde Marjorie dizia escrever, contando o florir dos cravos neste País triste, mas com surpresa não obteve nenhuma pista para seguir o caminho da mulher amada. Nem o nome era conhecido.

Tentou desesperadamente obter o apoio de um colega da Polícia de Paris, mas faltavam-lhe dados e a boa vontade do colega não foi suficiente. Apenas um jornalista desconhecido, lhe falou que Marjorie teria emigrado para o Canadá.

Foram dias, meses, anos de agonia até que António passou a pensar em Marjorie como um sonho, uma fada do amor ardente de que ele se esquecera e deixara morrer.

E a dor da solidão ficara a sua companheira.

E trabalho funcionava como um escape para uma mente amargurada e António deu tudo o que era capaz para levar a bom termo a investigação dos crimes que começavam a chover em catadupa sobre a sua secretária.

Porque as noites eram o suplício, deitava-se tarde escrevendo os relatórios sobre o trabalho, resumindo o sucesso e os casos que tenham prescrito, sem que ele e a sua equipa os tivessem resolvido. Não eram muitos, era certo e a maior parte deles casos de pouca importância. Todavia um caso em concreto lhe deu motivos para escrever longas notas.

Investigara ao longo de meses uma série de crimes com assinatura. Conseguira perceber o móbil dos crimes, tinha fortes suspeitas sobre os seus autores mas não conseguira reunir provas suficientes para um julgamento. Chamou aos apontamentos “Os crimes do X”. Tinha a convicção de que os crimes teriam sido cometidos por quem não acreditava na Justiça dos Tribunais e decidira fazer justiça pelas próprias mãos. Ali estava um assunto que ele gostaria de trabalhar, talvez sobre a forma de um romance, a escrever um dia.

Guardava todos os apontamentos, todos os recortes dos jornais e fizera algo que não faria sentido. Juntara também fotografias da sua passagem pela guerra, algumas situações de morte, agonia e violações.

A caixa era o repositório dos seus segredos, do seu trabalho, das suas frustrações e dos seus erros.

E durante cinco anos de solidão a caixa dos segredos foi a sua companhia nas noites de insónia.

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