TEMPO DE CHORAR
Sentada na cadeira na beira da cama do hospital
onde o Pai fora internado após o AVC, Carolina sentia uma dor profunda, uma
angústia por se encontrar só, enfrentando uma morte anunciada.
Lia e relia o testamento vital que o Pai havia
assinado e entregue ao médico de família. Sabia e compreendia que o Pai
recusara tratamentos paliativos e utilização de suportes artificiais para
prolongar a vida, mas os médicos sempre lhe fizeram notar que a ela caberia a
última palavra.
E era essa a decisão que ela temia.
Durante a viajem de regresso a casa, deixando na
grande cidade uma parte dos sonhos de que se alimentara durante dois anos, foi
interiorizando que chegaria o momento em que teria que tomar uma decisão sobre
a doença do Pai. Sabia da gravidade do acidente que atirara o Pai para o limbo,
onde só o coração não deixara de bater, mas tinha uma secreta esperança que o
Pai iria vencer a batalha e estender-lhe a mão.
- O seu Pai, em teoria, não está a sofrer,
disse-lhe o médico, mas eu acredito que pode não ser assim. A morte cerebral
pode significar o fim de tudo mas, a dúvida existirá sempre. Sabemos que já
houve casos de recuperação do coma, mas eu acredito que o do seu Pai não será
um desses. Aliás a Carolina sabe o que o seu Pai pensava e escreveu quando
estava na plena posse das suas faculdades mentais. Por isso, nós, a equipa
médica do Hospital, tomamos uma decisão conjunta e pedimos que para seu bem, se
junte a nós. Vamos desligar a máquina de suporte e deixá-lo partir.
Carolina balbuciou a palavra sim, quero respeitar a
vontade do meu Pai.
E foi só, com o olhar nublado pelas lágrimas que teimavam
em cair que sentiu o vazio. Começou a pensar que vira do olhar do Pai, antes do
momento final, um sinal de gratidão e um adeus. Era com esse sinal, porventura
imaginário, que enfrentou o destino. O corpo seria cremado como o Pai havia
escrito e as cinzas espalhadas pelos campos do Alentejo, terra que o vira
nascer.
No final, Carolina refugiu-se em casa, no
apartamento que o Pai lhe havia deixado em testamento. Percorria a casa mas,
como se fosse a primeira vez sentou-se na secretária e deixou vaguear o olhar
pelas estantes repletas de livros e fixou-se num pequeno armário que quase
passava despercebido. Estava fechado à chave, era o único móvel em toda a casa
que estava protegido o que lhe parecia estranho. Procurou na secretária e numa
gaveta, por entre blocos de papel, encontrou uma chave. E, nos escritos que
encontrou, acabou descobrindo o Pai que nunca conhecera.
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