terça-feira, 23 de agosto de 2016

VIDA EM CONTRAMÃO


ANA CAROLINA

António sentiu que o chão lhe fugia debaixo dos pés. Abraçado á filha, jovem de quinze anos, buscava força para retomar o caminho.

Precisava de toda a sua energia, cada vez mais escassa, para continuar vivendo. A filha era a razão por que teria de lutar mas, no seu íntimo, tinha medo. Ana Carolina começou a ser a âncora que o prendia. Estudava, entrou na Universidade com as melhores notas, foi dona de casa, gestora dos bens e da saúde do Pai e continuava a desenhar o seu próprio caminho.

A morte da Mãe não fora, para ela, inesperada. Leonor fizera-a prometer que a sua doença terminal seria escondida do Pai.

- Ele tem vivido em contramão. Por entre os anos de felicidade, alegria e amor acabou por ver fugir a felicidade. Agora será mais um momento de dor que só tu poderás apaziguar, dissera-lhe a Mãe, meses anos de conhecer o seu fim.

Mas, ajudar o teu Pai quando eu fechar os olhos não quer dizer que deixes de lutar pelo teu caminho. Olha pelo teu Pai mas, não te esqueças, olha também para ti.  

E foi assim que Ana Carolina geriu o presente imediao e lançou as pontes para o futuro.

Era muito jovem mas muito destemida e persistente. Não deixou que o Pai se consumisse com a morte da mãe, e para tal recorreu a ajuda médica adequada. E tudo parecia caminhar bem.

O Pai decidiu pedir a transferência da área de investigação criminal. O frenesi com que sempre se dedicara à investigação não seria agora compatível com a sua debilidade física e alguns momentos intelectual.

Ganhara coragem para acompanhar o Pai no seu lento, mas evidente declínio, mas a um preço elevado. Iria abdicar do caminho que havia sonhado, esqueceria os seus projetos de futuro no campo da investigação apesar de ter sido convidada a frequentar um mestrado em Nova Iorque. 

Mas agora, iria esquecer, apagar os sonhos e regressar ao quotidiano de tantos jovens como ela. Seria mais uma licenciada lutando por encontrar trabalho.

 E o seu futuro foi o assunto da conversa que o Pai, numa noite de início de Outono, triste e chuvoso, aparentando alguma recuperação, olhando com ternura para a filha que se ocupava das lides domésticas, começou:

- Minha filha, eu devo-te muita da força que ainda sinto. Tu tens sido a luz que me tem guiado e agora, é tempo de retomares o teu sonho. Eu vou-te exigir que o faças.

Conta com a ajuda do Pai. Escolhe o caminho e eu estarei a teu lado.

Eu sei que passaram longos meses que para ti foram também muito difíceis. Perdeste a Mãe, companheira e eu não fui capaz de te ajudar. Perdoa-me.

Agora sinto ter forças para viver porque sei que tu onde estiveres te lembrarás de mim como eu me de ti.  

Carolina, surpreendida com a proposta do Pai, esboçou um gesto de recusa mas, mas abraçando-se ao Pai, sentiu o bater do coração e reconheceu que para ela e para ele, a vida teria que continuar.

Acabou por exigir que, ela apenas iria para Nova Iorque, desde que o Pai aceitasse ser acompanhado por alguém de confiança. Sugeriu uma senhora, mãe de família, vizinha e amiga, antiga professora, que conhecia desde os bancos da escola. O Pai aceitou.

E Carolina partiu, cheia de dúvidas mas prometendo a si mesma que a qualquer sinal voltaria a casa.

E ao despedir-se no Aeroporto, depois de terem combinado os contactos, Carolina sentiu que a força do abraço do Pai era mais do que uma despedida e tremeu. As palavras que o Pai lhe murmurava ao ouvido eram ditadas pela dor dum homem que teria deixado de encontrar uma razão para viver, pois, dizia-lhe:

-Não é uma despedida, é um até breve. Volta um dia feliz e realizada e com o tempo, toda a amargura, todo o desencanto, todo o sofrimento, toda a dor, irá desaparecer.

 

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