quarta-feira, 14 de março de 2012

HISTÓRIAS SINGULARES

O CAÇADOR

Estive algum tempo afastado da escrita. Desta vez não foi por doença, mas doeu-me como tal.
Não devia ter vasculhado os papéis e as fotografias da minha passagem pela guerra colonial. Remexer no passado pode trazer memórias que o tempo havia apagado.
Não foram as fotografias que me impressionaram, foi mais as reflexões, tipo diário, que de uma forma ocasional ia passando ao papel.
A guerra colonial foi uma guerra inútil e condenada à derrota. Os chefes militares nunca ousaram desafiar a doutrina Salazarista, da pátria do Minho a Timor, contra tudo e contra todos, até à última gota de sangue.
Só com teimosia, isolado do mundo, fechado no País de onde nunca saiu, liderando um povo de carneiros podia pensar que umas centenas de soldados mal armados e um velho navio de guerra, seriam suficientes para enfrentar o exército Indiano. E daí o desastre.
Depois assistiu-se à eclosão dos movimentos de libertação, que alastravam por toda a África as nossas colónias nunca poderiam ficar incólumes.
Quando em 1961 se dão os trágicos acontecimentos no norte de Angola, o País nada havia sido aprendido das lições bem recentes.
E foi uma tragédia.
Os generais a quem coube a tarefa de defender as colónias, definiram as linhas de orientação militar, modelo clássico, para combater uma guerra de guerrilha, que só poderia ser enfrentada politicamente.
A Salazar e aos seus seguidores ficará o ónus e a responsabilidade por uma geração destruída, por milhares de mortos e estropiados física e mentalmente, e também o drama vivido pelos colonos, que acreditaram no sonho e acordaram para um pesadelo.
Esta era a síntese que retirei os apontamentos escritos de forma revoltada. Os soldados que foram para a guerra estavam impreparados e fundamentalmente mal comandados por oficiais superiores, saídos do conforto das secretárias ou do comando de unidade territoriais onde, sabiamente, se haviam acoitado.
A história julgará, eu vou encerrar as minhas memórias, rasgando todos os apontamentos escritos durante a guerra e destruindo algumas das fotografias mais dolorosas.
Todavia, decidi terminar estas histórias com mais uma, verdadeiramente singular.

O CAÇADOR DE ELEFANTES


Conheci o mais velho dos velhos de uma numerosa tribo. encostada à floresta densa que anunciava o coração de África, o caminho das montanhas e dos lagos.
A floresta era o reino dos símios de grande porte mas principalmente o reino dos elefantes.
O chefe gostava de contar as suas façanhas de grande caçador de elefantes e de crocodilos e eu, já naquele tempo, gostava de ouvir os mais velhos.
Entre o sábio velho caçador e o militar de pouco mais de vinte anos, nasceu uma amizade que recordo.
O velho chefe gostava de mim, dizia ter visto nos meus olhos o respeito e a justiça.
Por isso quando ele me convidou para uma almoço à beira de uma bela lagoa, nem hesitei. Fui eu, o Administrador do Posto e o meu guarda-costas. Três brancos, rodeados de centenas de africanos.
Não foi um simples almoço, foi muito mais.
Provavelmente entre os presentes estariam guerrilheiros, mas ali, naquele momento eu e o Administrador, não estávamos em guerra mas em paz com a nossa consciência. A amizade do mais velho dava-nos tranquilidade.
Passeámos em ombros sentados em dois palanques transportados pelos homens enquanto as mulheres e as crianças cantavam acenando com folhas de palmeira.
Foi um momento que gostei de relembrar. Afinal mesmo no meio da guerra fora possível encontrar um amigo que me ensinou a respeitar os costumes e tradições.
O velho caçador de elefantes, chefe de uma tribo importante dera-me a sua amizade. Nada pediu em troca. Eu dei-lhe o meu respeito.
Apesar dos perigos da guerra, regressamos todos. Hoje pergunto-me se tal facto não teria sido o sinal da amizade do velho chefe, o caçador de elefantes.


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