terça-feira, 21 de agosto de 2012

OS DIAS DO FIM

SILLY SEASON

Catarina por razões de ofício, frequentava um meio pródigo em traições, casamentos, divórcios, com uma elevada percentagem de pessoas que viviam vendendo a imagem e, ela sabia, alugando o seu corpo. Mulheres sem trabalho, a juventude já passara, e homens jovens, que se serviram do próprio corpo para satisfazer desejos inconfessáveis e assim disfarçarem a falta de talento ou de oportunidades.
 Naquele dia do início do mês de Agosto, era o período de férias, mas para ela seria o período em que se teria de transformar numa mulher fútil, disponível para comparecer nas festas que os ricos ou pretensamente ricos se entretinham a organizar nas noites do Algarve.
Era uma mulher ousada mas difícil. Não enjeitava um galanteio, uma dança mais sensual mas sabia como e quando parar.
 Ela vivia escrevendo sobre os outros, conhecia as pessoas que enchiam as páginas das revistas cor de rosa, que eram o filão dos fotógrafos, dos profissionais de relações públicas e de  caçadores de escândalos, que se atropelavam nas praias da moda.
Catarina também sabia que a exposição pública tinha um preço, uma fotografia com roupa de marca, mesmo que emprestada, enchendo páginas de revistas que tinham consumidores certos, nas donas de casa a quem a sorte não sorrira, custava dinheiro que alguém teria que pagar de uma forma ou de outra.
Conhecera homens e mulheres que se deixaram arrastar para caminhos sem saída e que se haviam transformado em criados dos verdadeiros senhores da noite.
A vida custa a todos, filosofava Catarina, enquanto assistia ao assédio de velhos caducos com algum dinheiro disponível, às jovens das telenovelas, ou o namoro de mulheres com idade disfarçada por três ou quatro operações plásticas, que cobiçavam uma hora de prazer com um jovem disponível.
Essas eram ao mesmo tempo, exemplos trabalhados pelos meios publicitários, que geriam as contas das clínicas especializadas.
Já tentara escrever mais do que um artigo criticando a mentira das férias Algarvias, mas o editor da revista recusa a sua publicação, com o argumento que o que faz vender não é a verdade mas sim a ilusão.
E ela que precisava de ganhar a vida, ia fingindo não perceber os sorrisos sensaborões e ensaiados dos habituais frequentadores das noites de férias,e tratava-os como gente importante, bem vestida e elegante.
Assim pela mediocridade, pela felicidade fingida, pelo vácuo de ideias, pela inveja, pela ausência de valores, o nome apropriedado do Agosto das férias, era mesmo o da silly season.
Catarina estava farta das mentiras, dos segredos que já toda a gente sabia, da homossexualidade assumida ou disfarçada, dos casais improvisados, mas não tinha como fugir ao assunto.
Tencionava passar alguns dias de férias, misturada com a gente anónima. Apanharia o sol da manhã e depois de um bom banho de mar, regressaria e casa, e no pequeno apartamento escondido no meio de uma urbanização feia, de acordo com os elevados parâmetros de qualidade, dos construtores civis que tinham destruído o Algarve, escreveria a sua habitual crónica para a revista, e continuaria a escrever o romance que, tão depressa avançava página sobre página, como regredia ao ponto de partida.
Apenas uma parte não mudara, o título que desde o início havia escolhido. Chamar-se-ia  "Os Dias do Fim" e a história inspirada num facto real, seria o relato da ancensão e queda duma antiga colega, mulher que incendiara corações e terminara pobre e ferida, abandonada num mundo cruel, indiferente às fraquezas e à dor.
Já tinha delineado os capítulos da história, mas faltava o impulso para dar corpo a uma mulher que fora um mito. Uma imagem fugidia, como o clarão de um relãmpago que anunciara uma tempestade.
Catarina planeava mas o destino trocou-lhe as voltas. 
Foi com muita resistência que acabou por deixar para trás os seus planos. Aceitou o convite de um casal que conhecera socialmente, para passar uns dias de férias na vivenda que o casal comprara em Vilamoura.
A simplicidade com que o casal se apresentara, vencera a sua resistência. Admitiu que não conhecendo na intimidade aquelas pessoas poderia escrever sobre um outro mundo. Ambos tinham aspecto de desportistas e isso poderia ser um assunto fora do comum.
Mas no fundo sentiu um pressentimento. Chegou a pensar em arranjar uma indisposição e ficar em casa, mas hesitou e embarcou numa viagem, que não iria ser como as outras.

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