quarta-feira, 29 de agosto de 2012

OS DIAS DO FIM

REGRESSO A CASA

 Foi detida, levada para o posto policial, conjuntamente com um grupo bem numeroso de frequentadores do clube. Estava aturdida, os amigos não estavam nesse grupo e ela olhava em redor, não conhecia ninguém.
Perguntava-se como a Polícia encontrara cocaína na sua mala, mas estava bloqueada, não encontrava resposta.
Reconhecia que bebera, talvez de mais, não se lembrava nem da primeira bebida que pedira, quando se sentara ao balcão. Estava vazia, perdida no nevoeiro e só.
Enquanto a carrinha celular circulava, assistiu ao romper do sol. Mas era estranho, via apenas por uma nesga, por entre as grades da janela. E chorou, as lágrimas caíram em torrente, sem parar. Nada lhe parecia real, vivia um sonho, só podia ser um sonho. Mas o grupo de pessoas, homens e algumas mulheres, que foram saindo da carrinha e encaminhadas para uma sala onde quase não cabiam e que a empurravam trouxeram-na, finalmente, à realidade. Estava numa esquadra de Polícia e uma a uma as pessoas do seu grupo iam sendo chamadas e nenhuma voltava àquela sala. Restavam talvez uma dúzia, que se olhavam sem se verem. Eram os que viviam o pesadelo da ressaca do consumo de droga. Mas ela não se drogara, tinha a certeza e ninguém dava por isso, perguntava-se com a angústia que lhe corrompia o peito.
Uma mulher polícia entrou na sala dos mortos vivos, ajudou-a a levantar do canto onde se tinha escondido, perguntando:
- A senhora não ouviu chamar o seu nome? Já chamaram por si e há mais de duas horas. O seu nome é Catarina Mesquita e Morais não é verdade?
- Sim, respondeu com voz sumida e rouca.
- Então, venha comigo, já estaria despachada se estivesse estado atenta.
Entrou num gabinete onde uma senhora ainda jovem se sentava à secretária tendo a seu lado uma oficial de Polícia e um outro homem que escrevia no computador. Percebeu então que ia ser interrogada, despertou da letargia, secou as lágrimas com as mãos vazias e falou.
Falou de tudo, da sua experiência, dos amigos com quem passava férias, da despedida no clube nocturno, do encontro com um senhor natural de Barcelona, eu lhe fizera companhia, pois como ela, também ficara só, perdido no meio da confusão.
Dançaram não se lembrava de quanto tempo mas cansados, descansaram num recanto da sala, longe dos holofotes e da pista de dança. Aliás fora esse senhor, cujo nome não sabia, que até lhe encontrara a mala de mão, que deixara esquecida numa cadeira do bar.
 Contou o que sabia, deu os nomes dos amigos de férias, a morada onde viviam, o fascínio que eles tinham pelo mar, navegando de dia e principalmente de noite, a bordo duma iate muito bonito, chama-se Sultão, precisou. Praticavam caça submarina e aquela festa, fora a despedida. Os dois casais haviam acordado navegar para o Mónaco.
Falou de tanta coisa mesmo do que lhe não havia sido perguntado. Terminou com os olhos no chão, exausta e confusa.
A senhora sentada na secretária perguntou ao funcionário sentado ao computador se tinha tomado nota das declarações, e recebeu a resposta, sim Doutora Juíza.
Catarina ouviu, Juíza, e levantou os olhos do chão. A Juíza olhou para ela e disse com um leve sorriso: 
- Não me recordo de em algum interrogatório, ter encontrado uma pessoa que contasse tudo, até o que não lhe foi perguntado. A senhora ou é uma excelente actriz ou é de uma ingenuidade que custa a perceber. A senhora sabe, porque é do seu ofício, que o consumo de droga é uma constante, infelizmente cada vez mais evidente, durante as férias de verão. E o Algarve também está na rota do tráfico.
Acredito no que me contou, mas tem contra si a cocaína que foi encontrada na sua mala e cuja origem não consegue explicar.
E por isso terá de ser ouvida em julgamento. Vou-lhe fixar a pena mais suave, ficará livre, sujeita a termo de identidade e residência.
O senhor oficial de justiça vai tomar nota da sua morada permanente, depois lerá o seu depoimento que a senhora assinará, em caso de conformidade.
Agora volte para casa. Tenha mais cuidado com os amigos que escolhe para as férias de verão.

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