O SOM DO SILÊNCIO
O regresso a casa foi uma agonia. Uma viagem em que não deixou de se recriminar pela sua imprevidência. Ela que julgava conhecer as pessoas, que escrevia sobre a sociedade, os seus vícios e os seus defeitos, que conhecera vidas perdidas, reconhecia agora que a Juíza tinha razão. Fora ingénua e deixara-se levar pelo canto das sereias, o seu ego toldara-lhe a mente e ficara apanhada no meio de uma situação que não acreditou ser possível.
Viajava com a roupa que tinha no corpo, não voltara à vivenda para recolher a bagagem. E percebia porquê, não teria coragem para confirmar que os amigos se tinham servido do seu nome, para terem acesso a algo, que lhe seria difícil conseguir.
De repente, um solavanco do autocarro ao transpor um pequeno declive, para acesso à área de serviço deu-lhe a resposta. O crédito! Pois como agora lhe parecia tão evidente, o seu nome servira apenas para abrir portas, conhecimentos. O convite fora a chave para terem acesso a pessoas que lhes interessariam para a sua actividade.
-Foste mesmo parva, pensava, enquanto um ardor lhe queimava as entranhas.
Caíra num circo, os actores principais fizeram o seu trabalho e conquistaram a amizade do palhaço, o papel que reservaram para mim.
Abanou a cabeça, desceu do autocarro, pediu um café duplo e sentou-se numa mesa afastada do movimento.
E ligou o telefone. O primeiro número que marcou foi a da agência imobiliária que geria uma parte significativa dos prédios na urbanização. Eram seus conhecidos e foi o Senhor Guilherme Costa o gerente, quem recebeu a chamada, perguntando:
- Então senhora D. Catarina ficou zangada connosco, alguma coisa não foi do seu agrado?
Digo isto porque a minha colaboradora a viu a embarcar na carreira expresso com destino a Lisboa. Ela disse-me que estranhou, porque enquanto fizera a limpeza, encontrara a sua bagagem. Não é um problema de doença, pois não?
- Não e sim posso dizer. Zangada estou mas comigo mesmo e doente só se a burrice for uma doença. Tal que até tenho vergonha e medo de lhe perguntar:
- Diga-me, a casa foi comprada ou alugada por aquele casal que me convidou?
- Não, Dona Catarina, a casa foi alugada em seu nome, e eu que a vi passear com o casal fiquei tranquilo, não insisti pela devolução do contrato e, muito menos me preocupei com o pagamento.
- Acredite senhor Costa, tudo foi tratado sem o meu consentimento. Fui burlada. Mas peço-lhe um favor, não conte a ninguém, mande por correio electrónico as referências e o montante para eu lhe fazer a transferência. E já agora faça-me mais um favor. Diga à Zulmira que meta as minhas coisas nas malas e mas enviem pelo autocarro expresso. Mas não tem pressa, será quando vos for possível.
- Esteja descansada, respondeu o interlocutor com a voz sumida. Descanse e vai ver, amanhã tudo lhe parecerá mais claro, as nuvens desaparecerão e o sol voltará a brilhar. Toda a gente já foi enganada pelo menos uma vez na vida.
Retomou a viagem, no seu íntimo queria acreditar que a burla se limitara ao aluguer da vivenda, mas tinha medo, nem queria pensar que a casa não tivesse sido a única burla.
- E o iate, o combustível, as viaturas?
Pensar no que lhe acontecera era um suplício que aumentava hora a hora.
Pensar no que lhe acontecera era um suplício que aumentava hora a hora.
Estava exausta, destruída quando entrou em casa.
Sentiu algum alívio. Estava no seu castelo e teria amigos a quem pedir ajuda.
Anichou-se no sofá da sala e finalmente dormiu. Acordou na madrugada do dia seguinte. O corpo estava dorido, como se tivesse si empurrado por uma ribanceira.
Ligou para as duas ou três amigas mais próximas, estariam de férias e desligaram o telemóvel ou não quiseram atender. Ficou com a dúvida.
Ligou para o editor da revista, que não estava disponível para a atender.
Catarina insistiu por uma entrevista e conseguiu-a para meados de Setembro.
Mais dois ou três tentativas de pessoas com que tinha relações profissionais e alguma intimidade, o telefone tocava mas não obteve resposta.
Finalmente percebeu, a sua aventura já viajara nos media e ela passou a ser uma pessoa a evitar. De repente, ela que era procurada para qualquer chá ou encontro social deixou de ser um valor e passou a ser um empecilho inconveniente.
Era a vida, filosofou.
Mas precisava de ajuda, de amigos, mas teria que os encontrar fora do circuito social onde se movimentava.
De repente o telemóvel tocou, atendeu e ficou feliz ao ouvir uma voz amiga, dizendo:
- Catarina, lembra-se de mim? Sou a Valéria, aquela estudante que estagiou consigo e aprendeu os valores da vida. Um deles foi o da amizade.
Todo o mundo sabe o que lhe aconteceu, não se preocupe, eu já não trabalho em revistas cor de rosa. Segui outro caminho onde me sinto bem.
- Sim Valéria, lembro que lhe ensinei a não se deixar deslumbrar pelas luzes da ribalta.
Eu ensinei mas a professora esqueceu-se do seu papel do circo. Obrigada por ter ligado. Foi talvez o único momento bom que tive, nos últimos dias.
- Então fique descansada eu vou passar pela sua casa, se ainda se lembra moro perto, passarei no supermercado para comprar comida para a nossa refeição. Depois poderá desabafar e combinaremos o caminho a seguir.
- Então fique descansada eu vou passar pela sua casa, se ainda se lembra moro perto, passarei no supermercado para comprar comida para a nossa refeição. Depois poderá desabafar e combinaremos o caminho a seguir.
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