segunda-feira, 3 de setembro de 2012

OS DIAS DO FIM

A VIDA É UM FILME

Valéria passou a ser uma visita diária. Passava na hora de almoço e voltava depois do jantar. Ficava até tarde, ouvia Catarina falar da sua vida, do seu casamento falhado, dos seus sonhos perdidos, das amizades traídas, da vida fingida e da sua imensa solidão.
Depois uma noite resolveu contar as suas experiências os seus desenganos a vergonha por que passara, desde o dia em que acordou despida, escondida no recanto.
Sofrera a sensação de ter sido violada, objecto de jogos sexuais mas tudo fizera para esquecer. Aprendera com a lição e anos depois deixara-se conduzir para uma caminho ainda mais pedregoso. Agora tinha a certeza que fora um peão num jogo mais perigoso, O tráfico de droga. E pela primeira vez tinha medo.
Foi Valério que lhe lembrou a conveniência de contratar um advogado para preparar a sua defesa quando fosse chamada a julgamento. Não seria fácil, ninguém acreditaria que a cocaína que fora apreendida na sua mala, o que ela confirmou, não seria para consumir ou traficar.
Explicação não tinha, mais uma vez bebera e fora descuidada.
Lembrou-se que fora colega de liceu dum rapaz que voltara a encontrar mais tarde, na altura Juiz do Tribunal da Comarca. Tinham tido enquanto jovens alguma proximidade e um namorico que a vida se encarregou de afastar. Mas viam-se de vez em quando, o amigo continuava a morar perto, e com alguma frequência se encontravam sentados no bando do jardim.
Era engraçado, recordava Catarina, eu escrevia no meu portátil historietas e notícias sem relevância enquanto Alfredo procurava naquele intervalo oxigénio para respirar depois de noites a trabalhar sobre processos que tinha para despachar.
Tomou uma decisão, vou pedir-lhe que me aconselhe o Advogado digno de confiança. Não sei se será correcto mas antes ouvir uma escusa de alguém em que se acredita no que ser acompanhada por um advogado com outros interesses.
Passou a sair, era o princípio do mês de Setembro, o tempo estava muito agradável e o respirar ar puro far-lhe-ia bem.
Numa dessas saídas, de manhã bem cedo, Carlos sobraçando um livro dos pesados, um código certamente, ocupou o lugar a seu lado.
Foi uma conversa sobre férias, sobre coisas do dia a dia. A certo ponto Carlos contou que se tinha divorciado. Fora um momento difícil, um divórcio litigioso com crianças envolvidas e ele não aguentara. Uma depressão e a baixa médica foram o resultado.
Catarina ficou surpreendida, porque viu a expressão dorida no rosto do amigo e um sistema nervoso tão fragilizado que o levava a fumar cigarro atrás de cigarro. E perguntou:
- Carlos um divórcio não é nunca o fim da vida, é com mais dor ou menos dor um começo de uma nova. Mas a fumares desalmadamente como te vejo, receio pela tua saúde. Presumo que o divórcio foi há pouco tempo, verdade?
- Sim a sentença foi pronunciada faz amanhã dois anos!
- Dois anos, e tu ainda sofres dessa maneira? Meu amigo, precisas de ajuda. Porque não procuras um Psicólogo?
Carlos não respondeu, olhou para Catarina murmurando:
- Sabes o que mais me dói é que eu fui o culpado. Deixe-me arrastar por uns olhos negros, e depois caminhei para o precipício. Levantou-se e com um andar vacilante partiu.
Catarina ficou siderada. Como é que um divórcio pode levar um homem adulto, habituado a tomar decisões que envolvem a vida e a liberdade de outros, se deixa abater por um caso pessoal, cada dia mais vulgar?
Regressou a casa, não conseguia esconder a perplexidade daquele encontro. E eu que julgava que a minha vida era um romance e afinal há outras histórias por contar.
Sentou-se no seu lugar preferido, via a luz do sol que lhe iluminava a casa vazia, e de uma forma febril escreveu, e escreveu capítulos do romance inacabado. O encontro com Carlos dera-lhe inspiração para dobrar o cabo das tormentas. O livro era agora o exemplo.
O sol já há muito se escondera. Era noite quando Valéria lhe fez a visita habitual. Encontro Catarina com um ar feliz, como o de alguém que se libertara dum pesadelo.
- Não acredito, disse, estou a ver a mesma Catarina que ontem deixei chorosa e perdida?
- Catarina sorriu e mostrou as páginas impressas do seu romance dizendo:
- Hoje a senti força e inspiração para terminar o meu livro, Os Dias do Fim. Agora é preciso reler, corrigir e arranjar uma editora que aceite a sua publicação.
- Parabéns, depois gostarei de ler o livro, mas quando estiver impresso, não gostaria de influenciar a tua escrita.
Agora vamos jantar. Hoje é dia de festa. Porque venceste os teus medos, as tuas indecisões, os teus recuos e abriste um caminho novo.  

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