V. Van Gogh
9 – PEDRA BRANCA
Júlio acompanhou Marie e Paulo no voo para Vancouver. Tinham reservado alojamento num motel que se localizava entre o aeroporto e a estrada que dava acesso à zona onde o projecto seria implementado, White Rock, perto da praia e da fronteira com os Estados Unidos.
Era tempo de fazer o reconhecimento do local, um pequeno hotel dirigido por um casal de idade que decidira que era tempo de parar.
O local, um espaço amplo à beira da estrada, permitia a implementação do projecto que Júlio e Ana tinham estudado e que cabia agora a Paulo e a Marie a implementação.
Precisavam de reformular o hotel, transformando em restaurante, com salas reservadas para comemorações especiais, construir de raiz uma cozinha e substituir a mobília e a decoração.
Paulo e Marie de projecto nas mãos perceberam o que lhes era pedido. Dar vida a um espaço, em processo de morte lenta.
Marie, uma mulher com idade indefinida, que não revelava, mas que andaria próximo dos quarenta anos, era impulsiva e determinada. Aquela oportunidade, confessava, era um recomeço de vida, pois dez anos de casamento tinham sido um equívoco. Ela não sentia nenhuma emoção quando estava com o marido e só acabou por descobrir que ele agia assim, desprendido e inquieto quando estava com ela. Foi fácil descobrir que o marido tinha uma ligação muito forte, e como ele veio a confessar, já vinha antes até do casamento. E não foi uma surpresa quando soube que a ligação do marido era com um outro homem.
A separação não fora dolorosa, antes um alívio para ambos porque encerrara um jogo de mentiras e de desculpas.
Paulo ouvia a colega contar a sua vida, enquanto bebiam na sua primeira noite no hotel.
Estremeceu, não estava preparado para aquela confissão e receava que Marie, carente como se mostrara, procurasse o que ele não estava ainda em condições de lhe oferecer.
Júlio partira há muito e os dois não tinham descanso. Esqueceram o hotel no modelo clássico e optaram por mandar construir uma dúzia de apartamentos, isolados, rodeados de jardins e de relva onde os hóspedes teriam todas as comodidades de uma pequena “villa”. Apenas as refeições seriam servidas no edifício principal se assim o entendessem.
Fizeram a selecção da Empresa que iria executar o projecto e começaram a seleccionar o pessoal necessário ao funcionamento da unidade.
Foram necessários seis meses para o início da actividade. Foram dias muito cansativos pois enquanto Paulo se ocupava do acompanhamento da construção dos diversos módulos, Marie escolhia as pessoas, as ementas e fazia a publicidade, não só em Vancouver mas, principalmente no outro lado da fronteira, sublinhando a qualidade, a privacidade e as vantagens de se encontrarem perto do mar e estarem cercados por um excelente campo de golf de dezoito buracos.
A abertura daquele novo espaço, que beneficiou de ampla cobertura nas agências turísticas e nos jornais locais, fora reservada a convidados. Era caro, a publicidade não enganava o que, Paulo veio a descobrir mais tarde, era uma vantagem que ele não conhecia. Muitos dos casais que vieram a ser os hóspedes frequentes, escolhiam o local pela comida, diferente da habitual com a qualidade da cozinha francesa, mas também para encontros secretos.
E a frequência de casais vindos da cidade de Seattle, a mais de duas horas de distância por automóvel, confirmava a necessidade de assegurarem a privacidade dos hóspedes.
Apesar de habitarem apartamentos contíguos, Marie escolhera a vista para a montanha e ele a paisagem do mar, procurando no oceano Pacífico o azul do seu mar, que deixara tão longe e que lhe trazia as recordações dos sonhos de que se alimentara.
Paulo sentia-se bem, quase perdido no mundo, mas tinha momentos de nostalgia. Olhando o mar sentia o conforto e a serenidade que precisava para se manter lúcido.
Não foi premeditado o seu envolvimento. Aconteceu, um homem e uma mulher, sem compromissos, quase sem nada fazerem por isso, acabaram por se encontrarem. Mas sem palavras, sem promessas, sem futuro.
E assim o tempo foi passando, o negócio progredindo sem sobressaltos nem inquietações.
Até que um dia um encontro tudo mudou.
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