quarta-feira, 23 de novembro de 2011

ENCONTRO COM O DESTINO

                                                            Edgar Degas

13 –  FIM DE FÉRIAS

 Aqueles dias de férias marcaram o início de uma profunda amizade,  matizada aqui e ali por algum receio de ciúmes entre as duas mulheres.
Paulo tinha recuperado a alegria de viver, esquecera as dores e a saudade e balançava entre a afinidade cultural e de temperamento com Bárbara e o fascínio por uma mulher diferente. E Li era essa mulher.
Contara parte da sua vida, sobretudo a sua experiência no Canadá. Dera ao projecto toda a sua energia e entusiasmo, sentindo que devia isso aos primos que tinham acreditado na sua capacidade e entrega. E conseguira  que o projecto fosse não só rentável como mantivesse altos padrões de qualidade, não obstante saber que o local pela sua discrição, era também refúgio para amores escondidos.
A colega na implantação do projecto e com a qual, confessara, tivera uma relação pouco profunda e efémera, tinha partido para outro desafio. Desta vez seguira um amor antigo e o destino quis que se fossem encontrar em Montreal.
Paulo ficara só, confessara às duas amigas que sentira receio. Apesar de serem duas pessoas tão diferentes, ele era taciturno, muito formal e Marie exuberante e com o charme que sempre cultivara, pensou em rejeitar o desafio porque Marie era um pouco a alma e a luz daquele lugar e ele receava não estar completamente à vontade, no que se referia à sua relação com os clientes. Todavia acabou por aceitar a responsabilidade de conduzir o negócio, alterando um pouco a sua concepção. Os salões do restaurante foram reduzidos para maior privacidade, introduziu também algumas mudanças na ementa, escolheu novos vinhos que importava de Portugal e disciplinou alguns excessos de familiaridade  entre os empregados de mesa e da recepção e os clientes.
Não fizera as mudanças de um momento para o outro, seguira o caminho que definira de modo a manter a clientela mais exigente e selectiva e que, como tal, não se importava de pagar mais.
Julgara ter avançado de mais, registou alguma quebra nas vendas, mas com energia e simpatia conseguira atrair mais  e melhores clientes. E os resultados até ultrapassaram o expectável.
Paulo transformara aqueles momentos num monólogo. Fixara a vista no horizonte e continuava a falar de si, de uma forma desprendida e ausente mas nunca abrindo a janela com vistas para o passado. Esse período que o marcara continuava teimosamente fechado. Por isso se limitara a falar do dia de ontem, de há uns meses, do homem que emigrara de mãos e coração quase vazio. Mas de repente calou-se e voltou a ser o Paulo fechado e introvertido.
 Bárbara apercebeu-se do momento, era evidente que Paulo tinha segredos que não revelava e perguntou pela família em Portugal.
Paulo demorou a responder e quando o fez apenas falou com ternura da sua irmã, a única pessoa da família de quem sentia saudade. Todavia a internet permitira-lhe falar e ver Cecília, acompanhar o seu caminho que estava perto de se alterar. Cecília conseguira juntar dinheiro e obtivera um estágio numa escola de música em Nova Iorque. Contava viajar no início de Setembro e o estágio seria por seis meses. Paulo prometera que a visitaria pelo Natal. E ficou por aí.
Naquela noite de luar em que ficaram até mais tarde a conversar, Bárbara  acabou por se alhear da conversa e decidiu caminhar junto ao mar. Estava triste, sofrida, Paulo falava da irmã com amor e  escondera outros familiares, Li  por sua vez contava recriminações e avisos do Pai e dos irmãos mais velhos, por ela ter decidido, como eles diziam, ocidentalizar-se fora da família tradicional.
Bárbara deu-se conta que era uma pessoa só, então ela falaria de quem e do quê?
Quando regressou, Paulo e Li já não estavam no terraço pelo que subiu e se recolheu no seu quarto.
Contráriamente ao que era habitual, a porta da suite estava fechada. Estranhava o silêncio, Li tinha por hábito ouvir música antes de se deixar dormir, abriu ligeiramente a porta e verificou que o quarto estava vazio. Deitou-se mas não conseguia dormir. No dia seguinte era de regresso e voltaria a mergulhar nos seus ensaios, a enfrentar desafios, repetindo rotinas de laboratório, enfrentando fracassos mas com a esperança de um dia, encontrar um principio, um sinal de esperança.
Perguntava-se se iria conseguir esquecer aqueles dias de férias que lhe tinham despertado sentimentos contraditórios. Sentia uma força que a guiava para a companhia de Paulo. Mesmo em silêncio os olhos cruzavam-se dizendo mais do que as palavras. Mas qualquer coisa os inibia. Da parte dela era uma barreira que não tinha coragem para transpor. Paulo e a sua timidez poderiam significar algo mais, não sabia. Mas, finalmente, naquela noite percebera o embaraço do amigo. Paulo deixara-se enfeitiçar por uns olhos de amêndoa, de um rosto branco e exótico e um sorriso contagiante. Confirmou quando deu pela chegada da amiga, era já dia mas ela não subira ao quarto,antes se estendera na banheira jacuzzi que ocupava um recanto discreto da sala. Foi lá que Bárbara a foi encontrar com um ar tão feliz que dispensava qualquer pergunta.
Partir é sempre difícil e Li e Paulo pareciam comprometidos na presença de Bárbara. Trocavam sorrisos e murmúrios.
Enquanto conduzia o carro de volta a casa, Li confessou que entre ela e Paulo tinha nascido uma estrela que queriam seguir juntos. Estavam apaixonados.Sentiam-se bem juntos e até pareciam que se conheciam desde sempre.
Bárbara não deu nenhum sinal de surpresa, comentou que era preciso cuidado com as emoções repentinas, porque o amor à primeira vista não costuma ser duradouro. E acrescentou:
- Ainda me vou rir quando tu convidares a tua família para o casamento e eles, tão conservadores como dizes que são, descobriram que o teu noivo é católico e que cortou os laços familiares. São capazes de ter uma desilusão. Mas se tu gostas dele, não desistas, vai em frente, não deixes fugir o amor. Este aviso foi uma das coisas que recebi da minha Mãe.
Li, olhou e respondeu surpreendida:
-Cheguei a temer que te sentisses traída. Sempre os vi aos dois com um relacionamento muito próximo e até senti uma picada de ciúme.
Bárbara não respondeu. No seu íntimo e em silêncio confessou-se. Gostava do Paulo, mas havia qualquer coisa que a afastava e lhe fazia  medo. Não sabia porquê, mas só o via como amigo em quem podia confiar e para ela, esse facto eliminava uma possível relação amorosa.
Na sua cabeça começou a ganhar corpo uma ideia que, já em fugazes momentos a atormentara. Entre ela e Paulo haveria qualquer laço. De uma forma ou outra as suas vidas já se teriam cruzado. Onde e como não sabia, nem arriscava.

Sem comentários:

Enviar um comentário