O ACIDENTE
O tempo passado na sala de espera do Hospital onde aguardava notícias sobre o estado da mulher, olhando ansiosamente para a porta por onde alguém lhe iria dar notícias, foi um tempo de medo e ao mesmo tempo de reflexão.
Afinal tudo acontecera num curto espaço de tempo, uma hora, duas horas talvez, e num dia que começara tão promissor. Fora nomeado para um cargo importante, iria ter mais responsabilidade e, naturalmente iria colher benefícios financeiros.
Nada é mais importante do que a vida, Maria da Graça era o seu apoio, a sua força e com ela doente ficava perdido.
Como é que vai ser com os miúdos e com o meu trabalho?
Pensou e teve vergonha de si mesmo. Numa hora difícil onde o pior podia acontecer e ele questionava o seu trabalho e a sua capacidade de gerir uma família.
Fora mal habituado. Ao primeiro problema entrara em pânico e dera um péssimo exemplo à filha mais velha, uma criança de nove anos de idade, que perante a sua impotência assumiu a responsabilidade que cabia ao chefe de família.
Chorou lágrimas de vergonha.
Acabrunhado, olhava para as pessoas que passavam, macas com vítimas de acidentes, corpos ensanguentados.
Depois de uma calma de mau augúrio, sentiu uma mão pousada no seu ombro.
- O senhor é da família da Dona Maria da Graça, perguntou um rapaz de bata branca?
- Estremeceu e foi com os olhos cerrados, cabeça baixa e pernas dormentes que confirmou. Sim sou o marido.
- Então faça o favor de entrar para aquele gabinete. O Doutor já vai falar consigo.
Entrou, era um espaço frio ou era ele que tremia, viu apenas uma cadeira na frente de uma secretária onde um médico, olhava para umas radiografias e lia papéis espalhados pela secretária.
O médico levantou os olhos, tirou os óculos e deu-lhe a notícia:
- A sua mulher foi observada, objecto de exames de diagnóstico mas ainda não sabemos com certeza qual a doença, muito menos o que a poderá ter provocado.
Com a voz clara continuou:
- A sua mulher está em estado de coma induzido. Está acompanhada numa ala dos cuidados intensivos.
- Posso vê-la, perguntou sem tirar os olhos do chão?
- Venha comigo, só a pode ver de longe, por detrás da cortina. E só por alguns minutos. Siga-me.
Como um autómato percorreu o longo corredor. Passava por entre as camas onde pessoas sofriam e gemiam.
De repente o médico parou, abriu uma pequena nesga da cortina e apontou:
- Ali está a sua mulher. Está imobilizada e não sofre. Ela não o vê nem ouve. Vamos ver como recupera. Não desespere, ela está em boas mãos e o seu estado pode evoluir e recuperar a consciência. Mas nunca nesta noite.
Mas diga-me, a sua mulher caiu, foi agredida?
- Doutor não me flagele, a minha mulher estava bem, apenas cansada. Temos três crianças, que ela cuida com todo o amor, e ainda trabalha num escritório. Mas sempre foi uma pessoa muito saudável.
Ela nunca se queixou de ter sofrido algum acidente ou agressão. E Doutor a minha vida com a Maria da Graça é muito feliz e nem admito que alguém possa pensar que eu a possa ter maltratado.
- Claro que não estou a dizer isso. Mas que ela sofreu um acidente que lhe afectou a coluna vertebral isso é muito provável e poderá ser a explicação. Amanhã ou depois se verá. O senhor tem família em casa?
- Sim, balbuciou, três crianças que a minha cunhada ficou a cuidar enquanto eu vim para o hospital. Tenho toda a confiança e sei que ela ficará esperando que eu regresse com a irmã. Por isso ficarei à espera.
- O senhor tem três filhos pequenos? O que é que o senhor está aqui a fazer. Acha que estar aqui sofrendo as suas penas e dos outros que vê passar, é o caminho certo? Acha que vai curar a sua mulher?
Vá para casa, aqui não ajuda ninguém, mas em casa junto dos seus filhos, pode ajudar-se a si mesmo, dar-lhe a atenção e o carinho que eles precisam.
Eles terão que ser, de momento, a sua prioridade. Amanhã ou depois, não sabemos, a sua mulher voltará à vida e, a minha experiência isso me diz, a primeira coisa que perguntará ao abrir os olhos será pelos filhos.
Amanhã telefone, se a situação se mantiver, o colega de serviço dir-lhe-á e o senhor continuará acompanhar os seus filhos. Fará, como é sua obrigação o papel de Pai e de Mãe. Não apareça em casa a chorar e com essa expressão doentia que vejo no seu olhar. As crianças são muito sensíveis às mudanças de comportamento e poderão intuir que alguma coisa o atormenta. E sofrerão.
Artur deixou a sala de espera, caminhou um pouco para ganhar coragem, não queria acreditar que o que o médico lhe dissera fosse verdade. Não seria possível. Um acidente, mas ele nunca soubera de nada?
Telefonou à cunhada dando notícias e dizendo que ia para casa.
Fernanda ouviu as palavras e concordou:
- Vem, a Joana deixou-se dormir há pouco tempo mas ficou aqui, estendida no sofá da sala. Tem coragem, inventa, diz que a Maria da Graça está a ficar melhor e que perguntou por eles. Mas que serão alguns dias para que a Mãe, que estava cansada, recupere as forças e regresse para junto de nós. Finge que tudo está e vai correr bem. Finge por ti e por eles.
Eu estarei aqui para te ajudar até que a minha irmã volte para casa. Porque vai voltar, não vai?
Artur balbuciou um sim e desligou. Era um pessimista, todos o sabiam, quase sempre previra situações difíceis que nunca se haviam concretizado. Quem sabe seria mais uma.
Fingir sim, mas iria custar-lhe muito.
A coluna quebrada
Auto retrato de Frida Kahlo
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